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sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Bento, homem da Humildade e da Renúncia

Quem conheceu Joseph Ratzinger diz que ele era um homem afável, simples e de gestos discretos. No final de cada manhã, mais precisamente às 13 horas e 30 minutos, o então Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé tomava sua boina preta e deixava o seu escritório. Cruzava os umbrais da Praça de São Pedro e se dirigia à casa no Borgio Pio, número 08, para o almoço. Este ritual se repetiu todos os dias, por quase 24 anos. Conta-se – tomando o exemplo da famosa metáfora inaugurada por seu conterrâneo, Immannuel Kant – que os romanos podiam acertar seus relógios ao ver o velho Cardeal passar.

Desde que deixou sua terra natal, a Alemanha, ele vivia na Cidade Eterna, onde dirigia com zelo a antiga congregação da fé. Apesar de ter ganho visibilidade como o grande “defensor da ortodoxia católica”, Ratzinger nunca fez o tipo popular e era avesso a grandes massas.




Quando do maior período de debilidade do Papa João Paulo II, Ratzinger já era Decano do Sacro Colégio de Cardeais e coube a ele presidir muitas celebrações em nome do Santo Padre, entre as quais a Via-Sacra no Coliseu, em 2005. O guardião da fé fulgurava como o braço direito do Pontífice, mesmo tendo pedido renúncia de seu cargo, por limite de idade. Sabe-se que ele aspirava a uma vida tranquila em sua casa na Alemanha.






Quando Joseph Ratzinger foi eleito o 264° sucessor de São Pedro, em 19 de abril de 2005, ele surgiu no balcão da Basílica e definiu-se como “simples e humilde trabalhador da Vinha do Senhor”. Tal declaração do novo papa fez com que seus críticos – que não eram poucos – afirmassem que ele estava sofrendo de uma “falsa humildade”.



Não percebiam os anos quase obscuros do novo Papa. Daquele que era o filho de um simples policial alemão, que se dedicou desde cedo aos estudos, que nunca foi pároco, apenas catedrático. Ratzinger, como já dissemos, é daquele tipo “rato de sacristia” e “rato de biblioteca”, que se satisfaz com uma liturgia bem celebrada e com uma aula bem dada.

Quando assumiu a Sé Petrina, ele retomou alguns costumes e vestes que estavam em desuso. Os múleos vermelhos - como o sangue dos mártires – foram calçados; a murça branca - no tempo pascal - endossada; o latim foi reforçado; o polifônico revigorado; os trompetes desenferrujados.  Mas não tardou para que se dissesse que o Papa era exagerado e que a definição de “simples e humilde” não passava de uma afirmação falaciosa.





Quase oito anos de Papado decorreram sem que muitos acreditassem que Bento XVI era verdadeiramente um homem simples, mas, que via na liturgia o verdadeiro e perfeito culto a Deus, a quem devemos a maior glória, e na doutrina, a esteira segura da salvação. 

Chamaram-lhe aristocrata, retrógrado e burguês. Mas, em fevereiro de 2013, todos tiveram que reconhecer em Bento um verdadeiro revolucionário.

Apesar de estar prescrito no Código de Direito Canônico, a renúncia de um Romano Pontífice não acontecia há séculos e a decisão de Ratzinger, fazendo-o por livre vontade, mudaria o curso da Igreja em tempos modernos. Foi necessária a presença de Deus e coragem, mas, também simplicidade e humildade, para dar fim a esta ideia.


Hoje, sabe-se que, quando Bento XVI anunciou sua decisão de deixar o timão da barca de Pedro, em 11 de fevereiro de 2013, a ideia já tinha sido amadurecida há muito tempo. O gesto do Papa, portanto, era a conclusão de uma série de reflexões e orações acerca de suas capacidades. Era o pastor da Igreja Universal que se reconhecia fraco e débil.



Quando, em 28 de fevereiro de 2013 – há um ano exato, ele deixou a Santa Sé para residir no Mosteiro Mater Ecclesia, o Papa Bento XVI dava o passo que concluía seu pontificado e dava prova de sua simplicidade e humildade.

Bento XVI iniciou seu papado se dizendo simples e humilde. Ao leva-lo a termo, se fez reconhecer honesto com o que dissera de si mesmo. Ali, definitivamente, se mostrou homem simples e humilde.

A renúncia de Ratzinger à Sé de Pedro fez dele um Papa revolucionário. Um homem com tamanho amor a Igreja de Cristo, que se fez disposto a tudo por esse amor. Agora, ele segue rezando por ela, por seu sucessor, por cada um de nós.




Nós, que vivemos o tempo de seu profícuo pontificado, 
só podemos dizer: 


Obrigado, Papa Bento XVI!


quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Bento, homem da Liturgia

O então Cardeal Ioseph Ratzinger escreveu em sua obra "Introdução ao espírito da liturgia" sobre a necessidade de compreendermos a Reforma Litúrgica, propiciada pelo Vaticano II, não como uma ruptura ou um cisma, mas, como um verdadeiro "aggiornamento", que de forma linear e contínua atualiza e revivifica o dom de Deus.

O Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé sempre foi partidário da chamada hermenêutica da continuidade, que visava tornar claro que não houve um rompimento com o que se vivia, ensinava e celebrava antes do CVII. 

Devido as más interpretações, sobretudo no âmbito litúrgico, poderíamos ainda falar em reforma da reforma, que constitui precisamente em chegar mais perto daquilo que foi pedido pela Sacrosanctum Concilium e pelos padres conciliares. 



Durante seu profícuo pontificado o Papa Bento XVI não mediu esforços para trazer a tona e tornar clara a posição que já como cardeal defendia. Quer seja na liturgia ou no magistério vimos uma perfeita e equilibrada harmonia entre os costumes, as rubricas e a tradição da Igreja. Porém, não poucas vezes foi taxado de conservador e retrógrado pela mídia e até mesmo nas esferas internas de sua grei. O papa foi um verdadeiro "mártir branco" da hermenêutica Concílio Vaticano II.

Vários foram os sinais concretos da reforma litúrgica propagada por Sua Santidade, entre elas destacamos: 

- Beleza e a solenidade do rito: as liturgias papais passaram por uma verdadeira mudança, sobretudo, nos paramentos e nos cantos sacros. O Papa retomou o uso de diversas vestes, enriquecendo a beleza externa da celebração. Por sua iniciativa o canto gregoriano e polifônico retomaram seu lugar de destaque; 







- Ênfase na participação interior na liturgia: ou seja, a participação ativa dos fiéis está mais ligada a uma participação interior do que exterior, por isso, em numerosas vezes o Papa insistiu pelo silêncio dentro da Santa Missa, ele mesmo sempre fazia diversas pausas reflexivas enquanto celebrava;













- O uso da língua latina: assim como prevê o documento conciliar Sacrosanctum Concilium o latim retomou seu lugar de direito na celebração papal, sobretudo, por ser um acontecimento com afluência de diversas nações; 














- A Cruz no centro do altar ladeada por velas (arranjo beneditino): para fazer perceber que a missa não é um espetáculo e que o sacerdote não é seu maestro, o Papa fez questão de ter junto do altar o crucifixo e um conjunto de velas, como prevê a Instrução Geral do Missal Romano; 





- A comunhão eucarística: por insistência pessoal do Papa a foi dada a devida reverência ao Corpo e Sangue de Nosso Senhor, em seu pontificado a comunhão passou sempre a ser distribuída na boca e de joelhos; 









- Incentivo a uma correta tradução dos livros litúrgicos: Bento empenhou esforços para se pudesse fazer um correta tradução dos livros litúrgicos, entre eles o Missal, já aplicado em alguns países.















Grandioso é o legado de Bento XVI para a liturgia, visto que como dizia o próprio Pontífice: "é na relação com a liturgia que se decide o futura da fé e da Igreja". Somos gratos ao Papa por nos ensinar o verdadeiro valor do sacrifício eucarístico e do culto a Deus. Ratzinger é um exemplo a ser seguido. 



Nós somos a geração que agradece a Deus por sua existência e seu valioso serviço a Igreja, que tanto amamos. Temos orgulho de dizer que somos privilegiados por sermos: "a geração Bento XVI".

Papa Francisco nomeia bispo para Divinópolis/MG

Brasão diocesano de Divinópolis/MG

A Diocese de Divinópolis estava vacante, isto é, sem o bispo, desde agosto de 2012, quando Dom Tarcísio Nascentes foi transferido para a Diocese de Duque de Caxias (RJ). Durante este período, padre José Carlos assumiu a função de Administrador Diocesano para dar andamento aos trabalhos da Diocese até a nomeação do novo bispo. O Papa Francisco nomeou, nesta quarta-feira, 26, o novo bispo de Divinópolis (MG), monsenhor José Carlos de Souza Campos. Até então, ele era pároco da catedral e administrador diocesano desta cidade.
Mons. José Carlos estudou Filosofia na Pontifícia Universidade Católica de Belo Horizonte (MG) e Teologia no Instituto Dom João Rezende Costa, também na capital mineira. Recebeu ordenação presbiteral em 30 de maio de 1993. Fez mestrado no curso de Teologia Fundamental na Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma (2000-2002).
Ao regressar à diocese, foi professor de Filosofia no Seminário Diocesano e de Ciências da Religião no curso de pós-graduação em Divinópolis, pároco em Sant’Ana de Itaúna e da catedral de Divinópolis, administrador da paróquia São Judas Tadeu, também em Divinópolis, chanceler e vigário geral da mesma diocese. Foi, ainda, representante diocesano dos sacerdotes, membro do Conselho de Formadores, do Conselho Presbiteral e do Colégio de Consultores da diocese.
Atuou na área de formação dos leigos nas escolas de Teologia da diocese e no Centro Franciscano de Formação e Cultura, em Divinópolis.
Fonte: cnbb.org.br

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Bento, homem da Caridade Pastoral

O Bispo de Roma é também Pastor Universal, pois nos governa na caridade. O Papa é a cabeça do colégio do Bispos. Seu papel é o de quem mantém a unidade, a fé e a sã doutrina. Entre o colégio apostólico, o próprio Cristo escolheu Pedro e lhe confiou uma missão singular: “Apascenta minhas ovelhas”.

O apóstolo Simão Pedro recebeu uma especial precedência entre os demais, que fez dele a superior autoridade na Igreja primitiva. A Sé na qual ele estava quando recebeu o glorioso martírio tornou-se ponto de referência para a Igreja nascente e seus legítimos sucessores tornaram-se, segundo o mandato do próprio Cristo, os homens que apascentaram o rebanho do Senhor.

Roma é, desde o princípio, um sinal norteador para a vida de fé do povo cristão. O grande Santo Irineu de Lyon (135-202) dela já dizia: “fundada e organizada pelos dois mais gloriosos apóstolos, Pedro e Paulo [...] mercê de sua especial primazia teve de estar em consonância com esta Igreja cada uma das Igrejas, isto é, os crentes de todo o mundo porque nela fora sempre guardada a Tradição dos Apóstolos”. 

Com o passar dos tempos e o evoluir da Igreja tomou-se cada vez mais consciência desta realidade divina do primado de Pedro e de sua solicitude pastoral para com a Igreja em todo o Orbe. O Papa Clemente I, terceiro sucessor de São Pedro como Bispo de Roma, que viveu entre 35d.C e 97d.C., escreveu a célebre carta aos cristãos da diocese de Corinto, com a qual, através de sua autoridade, reestabelecia a paz ameaçada internamente naquela porção do povo de Deus. Trata-se de um documento de grande relevância apologética, porque demonstra que, já naqueles tempos, se entendia que o Papa possuía uma verdadeira e efetiva autoridade sobre os demais bispos e suas dioceses, e não apenas um posição honorífica de precedência. 

Muito se discutiu sobre o papel exercido pelo Bispo de Roma sobre as demais dioceses. Ao longo dos séculos, alguns tomaram posições fortemente favoráveis a isso, como Santo Tomás de Aquino na Idade Média e o Beato John Henry Newmann mais recentemente, e muitos outros posicionaram-se contra a interferência petrina. Todavia, percebe-se que desde o princípio o Papa não é apenas uma figura de honra, mas, um personagem ativo no que tange a fé, a moral e a vida pastoral de toda a Igreja de Cristo.

O alvorecer da modernidade, sobretudo dos meios mediáticos, fez do papa um cidadão não apenas romano, mas, universal. Devemos às inúmeras viagens apostólicas do Beato João Paulo II a compreensão de que o papa é “nosso pai comum”. Bento XVI ao assumir o sólio petrino, recebeu essa carga de seu antecessor, depois de mais de duas décadas do seu profícuo pontificado. Coube a ele dar continuidade aos trabalhos iniciados pelo papa polonês, mas, também de Paulo VI, que muito fez pela imagem do Papa como pastor da Igreja Universal.

Sob Bento XVI recaiu a responsabilidade de levar adiante uma grei que reconhecia no seu ministério a pessoa do Pai e do Pastor. E em nada o Papa deixou a desejar:

Em 2009, durante a semana santa, um terremoto atingiu a cidade italiana de Áquila. A região ficou destruída e o sismo de 6,3 graus na escala Richter vitimou cerca de 300 pessoas. Era sexta-feira santa, quando segundo a tradição e a regra não se celebra nenhum sacramento - muito menos a missa - e o Papa concedeu uma autorização canônica permitindo que lá se celebrasse uma missa de corpo presente, em sufrágio das vítimas, e para tal, enviou seu secretário de Estado, Cardeal Tarcísio Bertone. Era o "antigo inquisidor" furando a regra por uma necessidade pastoral.

Bento se mostrou mais próximo do povo e de suas necessidades dos que seus críticos poderiam imaginar. Quando visitou o Brasil, na sua única viagem Apostólica a Terra de Santa Cruz, em 2007, ele surpreendeu a todos com seu sorriso inocente e um pouco tímido. Na Fazenda da Esperança, a imagem do abraço coletivo correu o mundo. O pastor alemão tinha coração, e ele estava aberto as necessidades dos homens e mulheres de nosso tempo. Rompia-se o véu do "poderoso chefão". 


O papa passou a ser encarado como um pai, um "bom velhinho", que falava firme quando necessário, mas, sabia abrandar o coração para os pobres e pequenos, acolhendo-os como um verdadeiro Pai e Pastor. Sua benevolência e seu carisma iam mais longe do que simples gestos externos, que enchem tabloides e jornalecos de quinta. Sua caridade pastoral revelou-se também na acolhida dos irmãos separados e na fortaleza com os desgarrados. 

Suas iniciativas contra os padres que cometeram pedofilia e suas lágrimas, durante a visita Apostólica a ilha de Malta em 2010, comoveram o mundo. O papa se fez próximo e solidário com as vítimas, assumindo a dor delas e tomando para si a vergonha dos criminosos. 

Por outro lado, acolheu os antigos Anglicanos, desgostosos das reformas empregadas naquela comunidade eclesial, separada de Roma no século XVI quando da iniciativa do Rei inglês, Henrique VIII, de fundar uma "Igreja estatal" que não contrariasse seu novo casamento com Ana Bolena, em detrimento de Catarina de Aragão. Desde 2009 centenas de "ex-anglicanos" vem sendo acolhidos em ordinariatos pessoais, que lhes permitem voltar a comunhão plena com a Santa Sé. A Constituição Apostólica Anglicanorum Coetibus norteia os tramites de acolhida e estruturação desta nova realidade pastoral.

Outros que devem e muito à Bento são os lefevristas. É sabido que o próprio Papa, depois de ter levantado a excomunhão dos quatro ordenados de 1988, filhos da Sociedade Sacerdotal São Pio X, criada pelo Bispo espiritano Marcel Lefrebve, tentou com esforços reais fazer com que o grupo voltasse a comunhão. A Comissão Ecclesia Dei, criada ainda pelo beato João Paulo II, teve muito trabalho e noites intensas de insônia para realizar o diálogo. O Arcebispo Guido Pozzo, responsável pelos diálogos tentou, mas, a discussão segue empacada.

O Papa agiu como um verdadeiro um Pastoralista. O seu Motu Proprio Summorum Pontificum, de julho de 2007, que legislava sobre a forma extraordinário do Rito Romano, ou seja, a Missa de São Pio V, revelou ao mundo que Bento XVI estava disposto a acolher a todos. Houve quem julgou que o Pontífice estava privilegiando os ditos "tradicionalistas e tradicionais". Já o sínodo sobre a África, em meados de 2009, encerrou a discussão sobre as  possibilidades de inculturação do Papa alemão. Ao final da Santa Missa, na Basílica de São Pedro, após a execução do hino mariano Ave Regina Caelorum, africanos cantaram, ao som de instrumentos típicos, uma saudação a Maria Santíssima, enquanto o papa deixava o altar da confissão.

De todos os lados o Bispo de Roma exerceu sua solicitude pastoral para com todos os povos. Nas três jornadas mundiais da juventude que participou como Papa, ele se mostrou próximo dos jovens. Em 2011, em meio a chuva torrencial que caiu sobre Madrid, tentaram tira-lo do palco montado para seu discurso durante a vigília, mas, Bento disse: "se eles ficam aqui, eu permaneço com eles".



O Doce Cristo na terra nos deixou um verdadeiro legado de amor a Jesus Cristo, sua Igreja e todo seu povo. Ensinou-nos como devemos dar a vida em favor das ovelhas, nos tempos modernos. Bento, um verdadeiro pai e pastor de almas. 


Bento, homem de Relação

Quando da eleição de Bento XVI, em abril de 2005, a revista Veja ostentou na sua capa a seguinte manchete: “A Igreja congelada”, seguida de uma grande foto do novo Pontífice dentro de um cubo de gelo. 


Assim começava o papado de Ratzinger: com a imagem de um homem severo, intransigente, músico autista e alemão turrão. O povo brasileiro, mas também os demais, assumiram essa visão do Doce Cristo na terra. Demorou e muito para que o novo Papa roubasse um sorriso e um olhar de apreço dos mais desconfiados. 

Bento XVI carregava sobre si o peso de suceder o grande e carismático Beato João Paulo II. O papa polonês foi artista, era poeta e durante anos foi Bispo Diocesano. Sua imagem foi feita para as massas. Já Ratzinger era frágil, naturalmente mais introspectivo – que justifique sua natureza alemã – e ainda foi, desde o começo de sua vida, um apaixonado pelos livros. Bento fazia e faz o tipo “rato de biblioteca”, “de escritório” e “de sacristia”, acostumado a lidar com escaninhos cheios e com papeis amontoados. 

Da noite pro dia ele se torna o líder de todos católicos e passa a ser vigiado pelo mundo inteiro. Custaria um pouco para dar-se conta da missão e do papel que desempenharia diante de toda a sociedade, seja ela católica ou não. 

Joseph Ratzinger deveria ser papa e o papa deve ser um homem de relação. Relação com Deus, com seu povo, com os ministros ordenados, com a Cúria Romana, com os cristãos e não-cristãos, com as autoridades de diversos países. 


Bento nunca foi diplomata, como foi o Papa Pio XII, mas, não deixou a desejar no que tangia as relações com as diversas nações e com autoridades distintas. Em 13 de novembro de 2009, através da Nunciatura Apostólica no Brasil, o Santo Padre assinou com o então Presidente da República, Sr. Luiz Inácio Lula da Silva um acordo entre Brasil e Santa Sé, no qual norteava e regulamentava as relações diplomáticas e institucionais. 

Na sede da ONU, em 18 de abril de 2008, ele foi o terceiro Papa a discursar. Defendeu o direito à vida, a família, os direitos humanos e a Igreja. Os diplomatas pararam para ouvir um senhor octogenário, monarca do menor país do mundo.

A presença do sucessor de Pedro é naturalmente impactante. Bento soube aproveitar a repercussão de suas palavras também para promover a paz entre as nações, como vimos em tantas locuções após a recitação mariana do Angelus ou em suas catequeses semanais.

Bento relacionou-se de maneira singular com o mundo, mas, também com as demais igrejas e comunidades eclesiais. Tão logo assumiu sua cátedra, o primeiro Papa alemão após o holocausto, fez questão de visitar a sinagoga de Roma. Tempos depois, ainda atravessou, solitário, o portão do campo de concentração de Auschwitz, na mesma atitude de silenciosa oração que repetiria também diante do muro das lamentações, em Jerusalém. Para Ratzinger os judeus “são nossos irmãos mais velhos na fé”. Ele empenhou esforços grandiosos para dar envergadura ao diálogo judaico-cristão.







Foi ele também o primeiro papa e ingressar na Abadia de Westminster, em 17 de dezembro de 2010, que desde a rompimento de Henrique VIII em 1534 passou a ser propriedade da Igreja da Inglaterra, os anglicanos. Lá o Papa discursou, durante um ato ecumênico, sobre a Trindade, a fé que nos une. Além disso, o primeiro papa alemão desde a Reforma, falou de forma cortês sobre Martim Lutero, em uma celebração ecumênica no ex-convento agostiniano onde o monge reformador celebrou sua primeira missa, sendo ouvido atentamente por seus conterrâneos, tanto católicos como luteranos.


Ratzinger foi corajoso também para ir à Turquia, mesmo envolto na polêmica com os mulçumanos. Sua viagem chegou a ser considerada de “alto risco”, mas, as relações são feitas e provadas a ferro e fogo. Em sua primeira viagem oficial a um país de maioria islâmica, o Papa tirou os sapatos para entrar na Mesquita Azul, onde rezou com os muçulmanos, virado para Meca. Também lá, em Istambul, estavam os apóstolos Pedro e André, em seus sucessores Bento XVI e Bartolomeu I, reunidos na fé e no amor. 




Bento XVI foi verdadeiramente um homem de relação. Soube relacionar-se com diplomacia, com brio e santidade. Relacionar-se com os mais fortes e com os mais fracos, com os mais ricos e com os mais pobres, com os crentes e com não crentes. Seu legado nos mostra da importância de darmos respostas seguras e um testemunho fiel de nossa fé e de nossa vida, conformada a Cruz de Cristo.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Bento, homem da Arte e da Cultura

Por Henrique Zimmer* 
Seminarista da Arquidiocese de Porto Alegre-RS 




Nascido entre aquele povo de onde saíram alguns dos mais célebres e aclamados compositores clássicos, como Bach, Mozart e Beethoven, o jovem Joseph Ratzinger logo cedo tomou gosto pela arte, e pela música de câmara – a música clássica, em especial. Crescendo em um lar muito cristão, onde a religiosidade era, obviamente, aliada a um grande apreço pela cultura, Joseph teve amplo espaço para desenvolver as suas habilidades artísticas. Além de tocar piano, interessou-se também, desde muito jovem, pela literatura e pelas línguas - Bento XVI domina uma dúzia de idiomas, entre os quais o grego antigo e o hebraico.

Sabe-se que dentre as coisas para as quais o nosso amado Papa Emérito tem procurado dar mais atenção desde sua renúncia, em 28 de fevereiro de 2013, está o antigo hábito de tocar suas peças prediletas ao piano. Temos acesso às declarações oficiais do Vaticano, ou de seu próprio secretário particular, Dom Georg Gaenswein, e a algumas imagens muito belas, que incluem o encontro com seu irmão, Monsenhor Georg Ratzinger, o antigo regente do coro da Catedral de Ratisbona, quando este celebrava seus 90 anos de vida ao lado de Bento XVI.



Tudo isso nos atesta o bem que essa nova rotina, baseada em música, leitura, estudo e oração, tem feito a Bento XVI. E ele compreende os benefícios e valores da cultura e da arte, não só para sua própria saúde física e espiritual, ou a de terceiros, mas procurou, também, promover a arte enquanto algo maior, que é para Deus. 

Bento XVI soube, como poucos, dar o devido valor ao belo. E aqui falamos não só em beleza estética, mas também no que toca aos valores históricos do que constitui a cultura da sociedade cristã, em especial no ocidente. Exemplo disso foi a criação da Pontifícia Academia Latinista, a fim de buscar uma verdadeira compreensão da importância da língua latina, seja quanto ao seu uso litúrgico, ou mesmo ao recordar-nos que é este o idioma que deu origem a tantos outros e que, em si, carrega a fonte de inúmeras obras literárias do mundo latino.


Há quem diga que todo esse apreço de Bento XVI pela beleza, em especial na liturgia, ao retomar alguns paramentos e dar destaque ao latim, ao Canto Gregoriano e à Polifonia Sacra, seria como que uma ruptura com aquilo que nos é ensinado pelo Concílio Vaticano II. Mas a verdade é que nenhuma postura poderia ser mais centrada na fidelidade ao Concílio, do que a postura tomada por Joseph Ratzinger ao assumir a Cátedra de São Pedro. 

  

Já nos dizia o Papa Paulo VI em sua mensagem aos artistas, quando da conclusão do Concílio: “O mundo em que vivemos tem necessidade de beleza para não cair no desespero. A beleza, como a verdade, é a que traz alegria ao coração dos homens, é este fruto precioso que resiste ao passar do tempo, que une as gerações e as faz comungar na admiração”.

Falando a artistas, com os quais se reuniu em 2009 – 10 anos depois da carta que o Papa João Paulo II lhes havia dirigido, Bento XVI chamava-os a atentar justamente para essa percepção do belo à luz da fé, que fora defendida na visão conciliar. Dizia ele: “Não tenhais medo de relacionar-vos com a fonte primeira e última da beleza, de dialogar com os crentes, com quem, como vós, se sente peregrino no mundo e na história, rumo à Beleza infinita!”




Enquanto homens e mulheres de nosso tempo, temos visões sobre o belo que podem variar. Aquilo que para um é a obra mais perfeita e digna, para outro pode não apresentar valor algum. Mas devemos nos valer, também, dessa herança que o Papa Emérito nos deixou. Como ele sabiamente nos ressaltou, devemos rumar à Suprema Beleza, à Beleza infinita, que é o nosso Deus!

  
Que saibamos, como Bento XVI, dar o devido valor e dedicar tudo aquilo de belo, em nós, na Igreja e no mundo, Àquele que tudo merece.


                                                    
Henrique Zimmer é seminarista da Arquidiocese de Porto Alegre, Músico e Compositor graduado pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS).

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Bento, homem da Fé e da Razão

Por Pe. Anderson Alves*
Sacerdote do Clero da Diocese de Petrópolis-RJ





Um dos temas centrais da obra de J. Ratzinger é a relação entre fé, verdade e amor. Ele o tratou durante toda a sua vida, inclusive são os assuntos principais das suas Encíclicas. A recente Encíclica Lumen Fidei, escrita por Bento XVI e Francisco, trata fundamentalmente da fé que ilumina toda a existência humana, inclusive a inteligência e a vontade, ou seja, as capacidades humanas de conhecer a verdade e de amar o bem.

Um dos textos mais importantes do magistério de Bento XVI foi certamente o discurso dele na Universidade de Regensburg, na Alemanha em 2006, entitulado “fé, razão e Universidade”. Naquela ocasião encontramos uma ótima síntese do seu pensamento, que vale a pena lembrar aqui.


Bento XVI parte da afirmação de que, para o cristianismo, não agir segundo a razão é contrário à natureza de Deus. E nisso o cristianismo coincide com a filosofia grega e esse acordo não pode ser jamais anulado. Para o cristianismo, diferentemente da doutrina muçulmana, a vontade e o agir divinos estão vinculados com a sua razão. O Papa cita o pensador muçulmano Ibn Hazm que dizia que Deus, por ser absolutamente transcendente, não seria vinculado a nada, nem mesmo à sua palavra. Se ele quisesse, poderia inclusive mandar praticar a idolatrina.

Para o cristianismo bíblico, porém, Deus age sempre com o Lógos. De fato, o início do Evangelho de São João é uma modificação do primeiro versículo da Bíblia e afirma que “no princípio era o Lógos”. E “Lógos” significa razão e palavra, de modo que Deus age sempre com a sua razão e com sua palavra (o Filho). A razão divina é criadora e comunicável como razão. Para J. Ratzinger, essa é a palavra conclusiva sobre o conceito bíblico de Deus. No princípio era o Lógos divino e o Lógos era Deus. De modo que Deus é sempre racional e não pode jamais agir contra a sua natureza.

Essa compreensão bíblica nasce de um encontro providencial: o da Revelação bíblica com a filosofia grega. No Antigo Testamento, na passagem da sarça ardente, Deus tinha se revelado com o nome “Eu sou”, ou seja, o ser por excelência. Esse nome supera toda categoria e seria uma constestação dos mitos antigos sobre os deuses. O mesmo teria feito Sócrates na Grécia. O homem, então, rejeita os mitos e procura a Deus e a explicação de todas as coisas racionalmente. Aquele texto bíblico foi escrito na época em que Israel estava no exílio, ou seja, longe da sua terra e do seu culto. E para os povos antigos, os deuses eram locais, isto é, defendiam uma cidade ou um território. No exílio, Israel comprende que o seu Deus não é o deus de um lugar, mas o Deus Criador e trascendente é o Deus de pessoas: “Eu sou o Deus de Abraão, Isaque, Jacó”.

Com a rejeição do mítico e a afirmação da unicidade e racionalidade de Deus, nasce uma espécie de “iluminismo”. Na época da dominação grega sobre Israel (começando cerca do ano 300 a. C.), a fé bíblica assimilava o que havia de melhor no pensamento grego, como é expresso na literatura sapiencial tardia. Dá-se então o encontro entre a fé de Israel e o “iluminismo autêntico”: a razão filosófica. E a afirmação de que não agir com o Lógos é contrário à natureza de Deus é fruto da fusão da fé cristã e do pensamento grego, algo que não pode ser dissolvido, uma vez que ocorre já no final do Antigo Testamento e em todo o Novo Testamento, escrito em língua e segundo a mentalidade grega.

Na doutrina muçulmana e no final da Idade Média ocorre, porém, a convergência na afirmação de que a vontade de Deus pode ser independente da verdade e do bem. Isso é o chamado voluntarismo. A transcendência de Deus vem então excessivamente afirmada de modo que a natureza humana deixa de refletir a natureza de Deus. Nosso conhecimento da verdade e do bem não seria então um meio de se chegar ao conhecimento da natureza divina.


Contra isso, porém, a doutrina tradicional da Igreja afirma que nossa razão criada acede ao conhecimento da natureza racional de Deus. Ou seja, entre a criatura e Deus ocorre verdadeira analogia. Pela perfeição das criaturas pode-se conhecer a Deus. Ele não é um gênio maligno que se regozija em iludir a nossa razão e em dar-nos ordens arbitrárias. «O Deus verdadeiramente divino é aquele Deus que se mostrou como lógos e, como lógos, agiu e age cheio de amor em nosso favor». Como consequência, o culto cristão deve ser um culto com a razão “logike latreía” (Rm. 12, 1), ou seja, um culto realizado de acordo com o Verbo divino e com razão humana.

E o encontro da fé bíblica com a filosofia grega foi algo único na história da humanidade. A esse patrimônio comum uniu-se o de Roma (especialmente o Direito) e esses três elementos – fé bíblica, filosofia grega, e Direito Romano – iriam formar o mundo ocidental. Desse encontro nasce e se nutre a Europa.

Na modernidade, entretanto, pretende-se romper a dita síntese. Procura-se a partir de então “deselenizar” o cristianismo. Para os reformadores havia uma sistematização da fé excessivamente condicionada pela filosofia e por isso a fé não se apresentava mais na sua pureza bíblica, mas como parte de um sistema filosófico. O adágio sola scriptura representa o ideal de purificar a fé, ou seja, libertá-la do seu vínculo com o pensamento metafísico grego.

Esse programa foi seguido pelo filósofo alemão I. Kant, que procurou limitar o alcance da razão para dar espaço à fé. Com isso a teologia deixava de ser considerada uma ciência, visto que a autêntica ciência ocuparia apenas da matéria matematizada e organizada pelas categorias do pensamento. Assim a fé estaria livre de todo vínculo racional e a razão auto-reduz o limite do seu atuar. A fé estaria baseada não na razão pura e científica, mas apenas na ciência prática, sem nenhum acesso à realidade.

Assim se deu uma auto-limitação moderna da razão. A razão ocupa-se apenas duma síntese de platonismo (cartesianismo) e empirismo, ou seja, da estrutura matemática da matéria, que a faz manipulável, e a sua utilização em vistas de resultados técnicos. Desse modo, a razão não mais se preocuparia em âmbito científico de Deus, objeto que não pode ser medido quantitativamente, nem manipulado.

Com isso o próprio homem vem reduzido. Torna-se incapaz de responder às questões últimas da sua vida, às que ultrapassam o âmbito quantitativo: “de onde venho”, “para onde vou”, “quem é Deus” e “como devemos nos comportar”. Se por um lado, o homem torna-se a única medida de si mesmo, por outro, se faz incapaz de encontrar um sentido pra sua vida e regularizar a vida social.

A conclusão de Bento XVI é que se deve alargar o conceito moderno de razão e do seu uso. A fé e a razão devem voltar a estar unidas de uma forma nova. Isso significa que não se pode voltar a uma época pré-iluminista, rejeitando as justas convicções da Idade Moderna. Tudo o que é válido em cada época deve ser reconhecido e aceito. O cristianismo fez isso sempre e a fé cristã não é algo do passado, mas do presente e do futuro. A teologia, por sua vez, não é apenas uma disciplina história, objeto de uma espécie de arqueologia do saber, mas é a ciência da razão humana que investiga os conteúdos da fé. Assim ela deve ter lugar nas Universidades e colaborar para o diálogo entre as ciências e culturas.

                                                                                            
* Padre Anderson Machado Rodrigues Alves é sacerdote do clero da Diocese de Petrópolis, região serrana do Rio de Janeiro. Doutorou-se em Filosofia pela Pontifícia Universidade da Santa Cruz em Roma. Atualmente é Vice-Reitor do Seminário Diocesano de Nossa Senhora do Amor Divino e Colaborador dos sites Presbíteros e Zenit

sábado, 22 de fevereiro de 2014

Bento, homem da Teologia

Por Ian Farias*
Vocacionado da Diocese de Jequié-BA.




Apraz-me dirigir-me aos leitores deste blog, desde já agradecendo ao irmão Eraldo Leão, Seminarista da Arquidiocese do Rio de Janeiro, pelo convite a mim feito para que aqui pudesse detalhar um pouco sobre a Teologia do Papa Bento XVI, que contém um arcabouço de sabedoria e de riqueza teológica e filosófica. 

Tive a alegria de começar a leitura das obras de Ratzinger ainda antes de ser eleito Papa, quando eu contava com 12 anos de idade, hoje, aos 20, procuro ainda – sem reservas – conhecer mais e procurar aprofundar-me nestes seus ensinamentos que não somente sintetizam a teologia como um encontro com o divino, como também saber expô-la ao confronto com as várias correntes de pensamento hodiernas. Retratar a teologia ratzingeriana é fazer uma passagem da realidade divina para a humana e vice-versa, de forma lúcida e clara, evidenciando os aspectos essencialmente concernentes a esta visão salutar de ver Deus, a Igreja, e a realidade escatológica e mesmo atual, sobretudo aquela que perpassa o âmbito do homem pós-moderno. Mas esta caracteriza-se sobretudo pelo diálogo entre a fé e a razão, de modo mais claro a ser dito: o Jesus histórico e o Cristo da fé, de forma que os dois se tornem uma só coisa e não sejam postos como inimigos, correndo-se o risco de causar até mesmo uma divisão quanto a Pessoa de Jesus.

Seria verdadeiramente impossível tratarmos aqui de toda a teologia de Ratzinger, mas procurarei pincelar alguns aspectos no qual ele procurou desenvolver seus laborioso e profícuo trabalho de propor a teologia como uma redescoberta das originalidades da fé e da coerência sempre constante para com os ensinamentos doutrinais.

A concepção ratzingeriana de teologia vai muito além de restritos parâmetros dogmáticos fundamentalistas, isto é, crer cegamente sem conhecer as razões que o moveram a tal. O então Cardeal Ratzinger já dissera uma vez: “Os dogmas são janelas que se abrem para o infinito”, portanto é inaceitável que esta liberdade seja deformada em prisão. Esta constitui uma entrada no mistério salvífico do amor de Cristo; é conhecer a Deus não apenas pelo intelecto, mas sobretudo pela contemplação sensível e verdadeira da fé e do amor. Isto o evidenciou em uma das suas magníficas obras Natureza e Missão da Teologia, onde retrata a sensibilidade teológica para a contemplação da verdade por meio de uma redescoberta do rosto de Cristo, que é o plano de fundo para a caracterização da verdadeira natureza teológica. 

Cooperatores Veritatis é o lema que o então Padre Joseph Ratzinger escolheu para nortear seu ministério episcopal e sua vida. Como, aliás, não só a orientou mas fez-se, ele próprio, uma seta que aponta o caminho daqueles que perscrutam este mistério que não é cognoscível ao homem somente pela luz da ratio ou do intelectus, como afirmara Agostinho.

É também impossível traçarmos uma linha divisória entre a teologia de Ratzinger e a teologia de Bento XVI. Como ele mesmo diversas vezes já dissera que o papado não o impedia de apresentar suas visões enquanto teólogo e que fazia questão de evidenciar a diferença entre o teólogo e o Papa, e isto já podemos notar em sua estupenda trilogia Jesus de Nazaré, quando opinou como teólogo a respeito dos estudos exegéticos da vida de Jesus e da sua ação na terra como Filho de Deus, mas igualmente nos descreveu de forma inigualável o cenário político e religioso da época primitiva do Cristianismo discordando de visões de determinados teólogos.

Ratzinger pautou a sua vida e a sua teologia em quatro bases constitutivas também do ser humano e do ser cristão: Fé, razão, verdade e amor. Deveras, sempre é característica sua – como pensador agostiniano – que seus escritos sejam marcados por estes aspectos epistemológicos. Impossível é que não tratemos de um destes quatro pontos em todos os seus escritos, ou ainda mais ousaria dizer: que não tratemos destes quatro pontos em quaisquer de seus escritos. Sempre encontraremos traços destes entrelaçados e impossíveis de serem postos à parte. Aliás, como o fora sempre, é de pensamento alinhado ao de Agostinho, tanto que em 1953 doutorou-se com a tese: “Povo e Casa de Deus na doutrina da Igreja de Santo Agostinho”.

No mistério desta visão teológica da cristologia de Ratzinger emerge à luz trinitária, a importância da integração entre a “constituição ontológica da Pessoa” de Jesus Cristo e aquela da sua “relação”, integração esta que define e caracteriza a singularidade e soberania do seu agir salvífico nas suas expressões de reinado e serviço. Além do mais, estabelece uma relação não tanto individual, mas de relacionamentos. Isso costumo definir como “teologia do encontro”: não ser redutivo e fechado, restrito a suas ideologias ou mentalidades estruturadas independente da dignidade humana, mas vai além disso: fala ao coração, ao homem em seu todo, à comunidade. Em uma de suas homilias, na Celebração de Te Deum pelo encerramento do ano de 2012, retratou de forma veemente a construção individualista dos moldes do atual cenário: "Numa cultura cada vez mais individualista, tal como aquela em estamos inseridos nas sociedades ocidentais, e que tende a espalhar-se por todo o mundo, a Eucaristia constituiu uma espécie de antídoto que atua nas mentes e nos corações dos crentes, semeando continuamente neles a lógica da comunhão, do serviço, da partilha, em suma, a lógica do Evangelho”.

Somos convidados a não aderirmos, como cristãos, à cultura individualista e que massacra os demais pela soberba intelectual ou pelas diferenças sociais. Bento XVI nos ensina muito, inclusive ensina-nos a como usarmos da teologia (o estudo de Deus) a serviço do homem, da sua dignidade e para sua edificação, e não colocarmos o homem a serviço da teologia. Se a razão não desenvolve-se como edificadora de valores humanos e promotora do bem comum, logo tornar-se-á sempre mais inimiga da fé e do próprio Deus, fechando-se, por conseguinte, ao seu conhecimento.

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* Ian Farias é vocacionado da Diocese de Jequié-BA, aluno do Curso de Licenciatura em Filosofia pela Faculdade dos Claretianos de Vitória da Conquista-BA, membro da Coordenação da Pascom Diocesana de Jequié e Administrador do Blog Ecclesia Una.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Bento, homem da Comunicação Social


Há um ano estávamos todos atônitos com a surpreendente notícia da renúncia do Santo Padre Emérito Bento XVI. No intuito de prestar uma singela homenagem a esse grande homem, teólogo e pastor, pensamos em contemplar diversos aspectos de sua vida e de seu magistério, enfatizando elementos que por vezes se nos passam despercebidos. Desta maneira, contrariando o que muitos propagam injustamente a respeito de Bento XVI, desejamos neste artigo tratar da sua preciosa contribuição e da sua influência no que concerne aos meios de comunicação social.


Já o Beato João XXIII, quando convocara o Concílio Vaticano II (1962 – 1965), propusera um “aggiornamento”, isto é, uma atualização no modo de proceder da Igreja. Efetivamente, se podia perceber que a Igreja necessitava anunciar com maior propriedade a missão sublime e árdua deixada por Cristo: torná-lo conhecido, amado; batizar em seu nome (cf. Mt 28, 19). Isto significa que a missão de anunciar é mais que pura e simplesmente uma tarefa a ser cumprida. Faz parte da natureza da Igreja. Eis a verdade “tão antiga e tão nova” (cf. Sto. Agostinho in “Confissões”): “Jesus Cristo é o Senhor para a glória de Deus Pai” (cf. Fl 2, 11). 



Esse tesouro, entretanto, nós o carregamos em vasos de barro (cf. 2 Cor 4, 7). Ciente das limitações próprias deste “barro” que somos nós, a Igreja precisa periodicamente avaliar os métodos utilizados, com vistas a um sempre mais profundo e eficaz anúncio de Cristo.

Hoje dispomos de preciosas ferramentas para levar a cabo a evangelização. Temos os meios de comunicação social: o rádio, a televisão, a internet, etc.. Bento XVI deu-nos uma verdadeira lição de como utilizar tais meios sem, contudo, imiscuir-se de anunciar a verdade de Cristo na sua mais genuína expressão. Trata-se sem dúvida nenhuma de um homem que viveu com seriedade o seu lema: “Cooperatores Veritatis”. O conteúdo é o mesmo, é invariável, inviolável. Os métodos, porém, variam, adaptam-se às novas circunstâncias. 

Para exemplificar, basta trazer à memória a entrevista concedida por Bento XVI a Peter Seewald na Residência Apostólica de Castel Gandolfo. Foi o primeiro Papa a deixar-se entrevistar livremente, não fugindo às questões polêmicas e traçando um perfil para a Igreja no Novo Milênio, na superação dos desafios, na purificação das incoerências e no diálogo com o diferente. Dessa entrevista originou-se o livro “Luz do Mundo”, publicado em 2010. Além disso, Bento XVI foi o primeiro Papa a ter uma conta nas redes sociais, através da qual pôde levar ao conhecimento do público pequenos ensinamentos, inaugurando oficialmente uma nova forma de se fazer presente no cotidiano das pessoas.



É de particular beleza o diálogo que Bento XVI engendrou no dia 15 de Outubro de 2005, na Praça de São Pedro, com crianças que faziam sua Primeira Eucaristia. Soube ser simples e profundo, assemelhando-se a um avô com os seus netos. As crianças, curiosas, apresentavam suas questões, suas inquietudes e dúvidas, e Bento as respondia com delicadeza e compreensão.


Por fim, deixemos que ele próprio nos ajude a compreender a importância dos meios de Comunicação Social na perspectiva da fé mediante um trecho da Mensagem para o Dia da Comunicação Social de 2013: “Na realidade, os fiéis dão-se conta cada vez mais de que, se a Boa Nova não for dada a conhecer também no ambiente digital, poderá ficar fora do alcance da experiência de muitos que consideram importante este espaço existencial” (...) “A autenticidade dos fiéis, nas redes sociais, é posta em evidência pela partilha da fonte profunda da sua esperança e da sua alegria: a fé em Deus, rico de misericórdia e amor, revelado em Jesus Cristo” (...) “A aparição nas redes sociais do diálogo acerca da fé e do acreditar confirma a importância e a relevância da religião no debate público e social”.