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terça-feira, 5 de março de 2013

Entrevista com Dom Henrique Soares da Costa, Bispo Auxiliar de Aracaju, SE.


O Blog Dominus Vobiscum, por conta do Ano da Fé, entrevistou Dom Henrique Soares da Costa, Bispo auxiliar da Arquidiocese de Aracaju – SE, com a sede titular de Acufida. Dom Henrique comenta, ainda, a renúncia do Papa Bento XVI.

Este ano será uma ocasião propícia a fim de que todos os fiéis compreendam mais profundamente que o fundamento da fé cristã é, como afirmou o Santo Padre na Carta Encíclica Deus Caritas Est, “o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo”. Segue a entrevista:


- Dominus: Ao convocar o Ano da Fé, o Santo Padre mostra sua preocupação com uma crise que tem uma de suas origens na incapacidade do homem moderno de crer. Como explicar que essa falta de fé tenha atingido os membros da Igreja de modo tão agressivo, a ponto de muitos católicos trocarem a Fé autêntica por falsas doutrinas? Seria exagerado dizer que existem sacerdotes ameaçados pela sombra do personagem de Miguel de Unamuno, São Manuel Bueno, Mártir, em seu romance homônimo? Por que o crente corre o risco cada vez maior de cair no ateísmo prático?
- Dom Henrique: São muitas perguntas numa só. Vejamos: (1) É verdade que de um modo quase que antinatural, o homem contemporâneo esteja atrofiando sua capacidade natural de crer. Somos essencialmente abertos para o Infinito, somos saudosos do Transcendente, do Amor eterno. Mas, o excesso de barulho, a invasão do consumo pelo consumo, o excesso de opiniões, de palavras, a ilusão de que nos bastamos e podemos ter a vida em mãos como bem entendemos – tudo isso leva a um embotamento da comunhão com Deus. Vamos nos deseducando para a comunhão com o Senhor. (2) É compreensível que os filhos da Igreja sejam afetados por esse mau espírito do tempo atual, afinal estamos no mundo. A pressão dos formadores de opinião e dos meios de comunicação e a superficialidade na vivência da fé vão destruindo em muitos cristãos a reta percepção da vida segundo o coração do Senhor. Assim, fica fácil cair num subjetivismo, numa religião cômoda, feita sob medida para as minhas paixões. Aqui entram as falsas doutrinas e percepções da fé, que às vezes ameaçam a ortodoxia do ser e do crer da Igreja. (3) O romance de Unamuno fala de um padre que era cumpridor de seus deveres por amor às pessoas, mas já não cria mais em nada verdadeiramente. Sim, este perigo é muito possível entre os padres de hoje, quando há também na Igreja um exacerbado antropocentrismo. Parece que o centro do cristianismo é o homem. Ao invés, o centro é Deus nosso Senhor! Só o Senhor é Deus, só por Ele vale a pena entregar a vida! (4) Quanto ao ateísmo prático, ele é um perigo quando se perde de vista que Deus está próximo, que Deus age no mundo, que Deus realmente nos fala na Escritura, nos dirige a palavra na pregação da Igreja e nos dá Sua graça nos sacramentos. Sem isso, sem elevar realmente a sério a Igreja, Deus não passa de uma ideia e, então, vive-se a vida fingindo crer, mas na verdade já não se crê!



 - Dominus: Qual o maior perigo para a Fé de um católico desprotegido nos dias de hoje: seitas protestantes ou heresias levadas a cabo por teólogos ditos católicos? Ainda nessa linha, a sociedade moderna faz dela as palavras do jornalista italiano Vittorio Messori, em entrevista com o então Cardeal Ratzinger, em 1985 (depois publicada no livro “A fé em crise? O cardeal Ratzinger se interroga”): “ainda existem hereges”? Por que a palavra heresia se tornou tão pesada para o homem hodierno, mesmo para muitos católicos?
- Dom Henrique: Certamente, as seitas são um perigo para a reta fé. Parecem oferecer uma fé profunda e acessível, simples e autêntica, quando na verdade oferecem apenas um cristianismo deturpado, mutilado, parcial. Mas, o maior e mais triste perigo são aqueles que dentro da Igreja – e incluo membros do clero e professores de teologia nos institutos católicos – criticam com injustiça e ódio destrutivo a santa Igreja. Esses são, sem dúvidas, os instrumentos preferidos de Satanás! Esses estão conosco somente de modo aparente. Não são dos nossos e nunca conquistarão o coração e a consciência de um verdadeiro católico. O senso da fé do Povo de Deus na hora percebe esses lobos disfarçados de cordeiros. Mas, as portas do inferno não prevalecerão contra a Esposa de Cristo! Quanto à palavra “heresia”, ela é o oposto à ortodoxia, que significa não somente reta opinião, mas, sobretudo, reto louvor. Sendo assim, na raiz da heresia está a soberba humana – principalmente dos maus teólogos – em não se colocar numa atitude de escuta e adoração para poderem falar do Mistério. Esses, arrogantemente, julgam-se donos da verdade que pertence só a Cristo e é confiada à Sua Igreja. Tornam-se, então, pobres e ridículos tagarelas. E para iludir os desavisados, recorrem à ideia de liberdade de pesquisa e de expressão. São conceitos válidos para a democracia civil, não do mesmo modo para a pesquisa e o ensino da teologia. A liberdade de um teólogo verdadeiramente católico dá-se no interior da fé católica; não como se ele fosse juiz da Igreja e acima da Igreja... Desses há muitos hoje, infelizmente!



- Dominus: Na Carta Apostólica Porta Fidei, o Papa Bento XVI disse que o Ano da Fé será uma ocasião propícia também para intensificar a celebração da fé na liturgia, particularmente na Eucaristia, que é “a meta para a qual se encaminha a ação da Igreja e a fonte de onde promana toda a sua força”, como afirmou o documento conciliar Sacrosanctum Concilium. Como, de forma concreta, se demonstra a perda de fé na Eucaristia, e o que se pode fazer para resgatar a sacralidade litúrgica?
- Dom Henrique: Primeiramente, pensemos na Eucaristia como meta e fonte da ação da Igreja. A própria Escritura afirma que somos batizados num só Espírito para formarmos um só corpo. O Batismo tem como destino a Eucaristia; a união começada com Cristo por força da ação do Seu Espírito no Batismo chega ao seu pleno desenvolvimento neste mundo na Eucaristia. Assim, tudo na Igreja encaminha para a participação no Corpo do Senhor. Com Ele e através Dele oferecemos ao Pai num só Espírito o sacrifício perfeito e santo, maior expressão da dignidade humana. Mas, exatamente daqui, da Eucaristia, parte a ação da Igreja: participando da Eucaristia, podemos dizer: “Eu vi, eu ouvi, eu toquei o Ressuscitado; eu comunguei com Ele, Ele está vivo, está presente entre nós!” Ora, aqui está o conteúdo da evangelização: anunciar Jesus morto e ressuscitado para a vida do mundo. Evangelizar é testemunhar a presença amorosa e redentora de Alguém, de Jesus. É na Celebração eucarística, no Sacrifício da Missa que, como Igreja, comunidade dos discípulos de Cristo, experimentamos Jesus e nos tornamos sempre de novo testemunhas de Jesus. Não somos propagandistas de uma ideia; somos testemunhas de uma Pessoa, Jesus, e de um fato, um evento, Sua morte e ressurreição. Quanto à sacralidade da Liturgia, ela se encontra em crise porque primeiramente o conceito do que é o cristianismo e o que é a Igreja se encontram em crise. Pensa-se que a Igreja existe para difundir e defender os valores do Reino. E por valores do Reino se tomam muitos dos valores ideológicos da esquerda. Ora, não é para isto que a Igreja existe! A Igreja existe para anunciar Jesus, para ser o espaço no qual Jesus fala Sua palavra, age pelos sacramentos e forma sempre de novo Seus discípulos como a Sua comunidade, que, vivendo Sua vida nova (vida de ressurreição), torna-se espaço no qual Deus, o Pai, reina de verdade. Assim, a Igreja é germe e sinal do Reino do Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, a Igreja é início do céu, quando o Reino se manifestará plenamente. Na liturgia é Cristo Quem age, é Cristo Quem doa sempre e novamente o Seu Espírito, que é a própria vida eterna, vida divina. Na Liturgia, portanto, a salvação acontece sempre no aqui e no agora da vida humana. A Liturgia é primeiramente ação de Cristo, que num só Espírito, une a Si a Sua Igreja no sacrifício de louvor ao Pai. Quando se tem essa consciência, compreende-se que a Liturgia é um fazer sagrado, isto é, pertence diretamente ao mundo de Deus e exprime o Seu inefável mistério. Sem esta percepção, a Liturgia torna-se a festa da “comunidade celebrante” que celebra suas ideias, suas lutas e suas conquistas. Cristo sai do centro, Deus, o Pai, desaparece e a dimensão sagrada perde totalmente sua razão de ser. Agora aqui há um elemento a ser levado em conta: a sacralidade da Liturgia não depende do aparato exterior que lhe damos, mas da consciência profunda de se estar no âmbito de Deus. A sacralidade vem de Deus, não de ritos ou alfaias! Os ritos e alfaias podem e devem exprimir a sacralidade, mas não a geram nem a garantem. Rito por rito, alfaia por alfaia nos levariam a um desfile de fixação estética de sentido mais que duvidoso! É preciso estar atentos para o sentido teológico da Liturgia, para uma espiritualidade litúrgica centrada em Cristo, de consciência de ser Igreja Corpo do Senhor e de profundo compromisso com o Evangelho na própria vida e na vida do mundo, com tudo o que isto possa significar e implicar!



- Dominus: Relembrando a encíclica do Beato Papa João Paulo II, Fides et Ratio, “a Igreja nunca teve medo de mostrar que não é possível haver qualquer conflito entre fé e ciência autêntica, porque ambas, embora por caminhos diferentes, tendem para a verdade”. Na opinião do senhor, quando a Igreja vencerá a batalha de convencer o mundo de que essa afirmação é verdadeira? Trata-se, por ventura, de uma ótica diversa, filosoficamente, do que seja, de fato, a verdade?
- Dom Henrique: Quando a Igreja vencerá a batalha? Neste mundo, nunca! O conflito entre fé e razão, religião e ciência dá-se como fruto de preconceito, seja de um lado seja do outro. E os preconceitos muitas vezes são nascidos do medo de quem pensa e vive de modo diferente do nosso. Além do mais, há um tipo de preconceito contra a fé pelo simples medo de ter que se converter e mudar de vida. O importante é que se procure cada vez mais criar um clima de tolerância e diálogo, sem a pretensão de querer dobrar o outro ao modo de ver e pensar. No passado, os crentes foram bastante intolerantes; hoje são alguns cientistas que manifestam uma intolerância quase fanática. Infelizmente, esses são os que aparecem mais na mídia. Quanto ao conceito de verdade, não é que cristianismo e ciência tenham conceitos diferentes. Apenas o cristianismo aponta para uma profundidade e amplidão da verdade que muitas vezes a ciência e determinadas correntes filosóficas não alcançam e julgam ser impossível alcançar...


- Dominus: Às vezes, se tem a impressão de que Roma está muito distante do Brasil, e não falamos apenas em termos geográficos. Por que, com honradas exceções, é raro ouvir ressoar com força a voz do Vigário de Cristo nesta Terra de Santa Cruz? A Congregação para a Doutrina da Fé emitiu uma nota com indicações pastorais para melhor se viver o Ano da Fé. Como o senhor sente a acolhida, no Brasil, desse documento do dicastério mais importante da Cúria Romana?
- Dom Henrique: É necessário recordar que estamos ainda num período pós-conciliar. Para a Igreja, 50 anos são nada. O Vaticano I enfatizou dogmaticamente o primado universal do Papa e sua infalibilidade em sentenças de fé e moral. O Vaticano II retomou integralmente a doutrina do Vaticano I e completou com a doutrina da colegialidade episcopal: os Bispos são verdadeiros pastores de suas igrejas diocesanas e como tais, têm também a responsabilidade pela Igreja universal. Temos, portanto, uma tensão sadia entre primado e colegialidade. Quando se exagera num desses dois polos, temos um problema. O equilíbrio nem sempre é fácil, principalmente nestes tempos ainda pós-conciliares. Não diria que a voz da Santa Sé esteja longe; mas, sem dúvida, às vezes uma ênfase muito forte nas realidades locais podem enfraquecer a percepção dos apelos e orientações da Sé Apostólica. Quanto ao Ano da Fé, penso que as dioceses estão procurando, de acordo com suas realidades, colocar em práticas as sugestões da Santa Sé e outras iniciativas, segundo a mente de Bento XVI.


- Dominus: Esta entrevista se dá em meio às especulações da mídia com relação ao anúncio de renúncia feito pelo Santo Padre. Como pastor da Igreja, o que o senhor tem a dizer ao rebanho que, levado pela histeria midiática, pode não estar compreendendo a atitude de Bento XVI?
- Dom Henrique: A atitude do Papa foi explicada por ele próprio: ouvindo o Senhor na voz de sua própria consciência, achou por bem renunciar ao múnus petrino por se sentir sem forças suficientes, devido à idade. Um estupendo exemplo de humildade. Havia no Domingo passado uma faixa na Praça de São Pedro que resume bem a atitude do Papa: “A incrível liberdade de um homem preso a Cristo!” É isto. E isto o mundo não pode compreender. Pena que alguns católicos também não consigam. Mas, o Povo de Deus como um todo, compreende e admira e ama ainda mais este Papa!

 Dom Henrique (centro), Seminarista João Lamim (direita) e Seminarista Renato Rosa (esquerda)

- Dominus: Sempre inspirados nas recomendações do Santo padre, com relação à utilização da mídia virtual para a evangelização – e o senhor realiza um trabalho pastoral muito eficaz nesse campo –, gostaríamos que o senhor deixasse uma mensagem à equipe do Blog Dominus Vobiscum e a todos os seus leitores.
- Dom Henrique: Vão adiante! A Internet deve ser lugar de evangelização. Tomem como critérios (a) o desejo de anunciar Jesus Cristo e fazê-Lo amado e seguido; (b) a fidelidade inegociável à Igreja de Cristo, recordando que esta está onde está Pedro, (c) o tom que deve orientar as matérias seja de caridade e alegria que provêm de Cristo.



Filho de Lourival Nunes da Costa e Maria Francisca Tereza Soares da Costa, nasceu em 11 de abril de 1963. Cursou os estudos primários na cidade de Junqueiro e também em Maceió. Em 1981 ingressou no Seminário Arquidiocesano de Maceió e cursou Filosofia na Universidade Federal de Alagoas. Em 1985 abraçou a vida monástica, primeiro no Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro e depois no Mosteiro Trapista de Nossa Senhora do Novo Mundo, no Paraná. Na vida monástica recebeu o nome de Ir. Agostinho, tendo como padroeiro Santo Agostinho de Hipona. Por motivo de saúde regressou a Maceió em 1989, antes mesmo de fazer os votos.
Em 1990 voltou ao Seminário e foi para Roma, concluir o curso de Teologia na Pontifícia Universidade Gregoriana. Foi ordenado sacerdote na Arquidiocese de Maceió-AL em 15 de agosto de 1992, solenidade da Assunção da Virgem Santíssima.
Concluído o bacharelado, fez dois anos de mestrado na mesma Gregoriana, na área de Teologia Dogmática, particularmente eclesiologia.
De volta ao Brasil, trabalhou como formador no Seminário, professor de Dogmática, de Teologia em várias instituições de ensino. De 1994 a 2009 foi Reitor da Igreja de Nossa Senhora do Livramento em Maceió, vigário Episcopal para os Leigos, membro do Cabido dos Cônegos da Catedral da Arquidiocese de Maceió, participante do Conselho Presbiteral e Coordenador da Comissão de Formação Política de Maceió.
No dia 1º de abril de 2009 o Santo Padre Bento XVI nomeou-o Bispo Titular de Acúfida e Auxiliar da Arquidiocese de Aracaju - SE. Foi sagrado bispo em 19 de junho de 2009 por Dom Antônio Muniz Fernandes, Arcebispo de Maceió.

Brasão Episcopal


 a) Letra Y: Trata-se da primeira letra de Yiós, Filho, em grego. A própria grafia da letra Y evoca a imagem de Cristo de braços estendidos na entrega da cruz; assim que se trata de uma visão profundamente cristocêntrica: tudo converge para o Filho que se entrega amorosamente ao Pai no Espírito Santo, evocado pela cor vermelha;
b) Amarelo Ouro: Fruto da entrega de Cristo é a salvação, isto é, a divinização de toda a humanidade e de toda criatura, representada pelo dourado que preenche todo o brasão como expressão da salvação universal de Cristo;
c) Flor de Lis Azul: A flor recorda a Virgem Maria, do qual é devoto. A Virgem é modelo de todo discípulo, Mãe dos pastores da Igreja e eficaz colaboradora na obra da salvação operada pelo Senhor Jesus.

Seu lema é: In Christo Pascere! (Apascentar em Cristo)

Do mistério salvífico de Jesus, o Bispo é ministro, pois que outra coisa não pretende a não ser instrumento da divinização conquistada por Cristo.


Pelos Seminaristas João Lamim e Renato Rosa

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