O Blog Dominus Vobiscum, por conta do Ano da Fé, entrevistou Dom
Henrique Soares da Costa, Bispo auxiliar da Arquidiocese de Aracaju – SE,
com a sede titular de Acufida. Dom
Henrique comenta, ainda, a renúncia do Papa Bento XVI.
Este ano será uma ocasião propícia a fim de que todos os
fiéis compreendam mais profundamente que o fundamento
da fé cristã é, como afirmou o Santo Padre na Carta Encíclica Deus Caritas Est, “o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo
horizonte e, desta forma, o rumo decisivo”. Segue a entrevista:
- Dominus: Ao
convocar o Ano da Fé, o Santo Padre mostra sua preocupação com uma crise que
tem uma de suas origens na incapacidade
do homem moderno de crer. Como explicar que essa falta de fé tenha atingido
os membros da Igreja de modo tão agressivo, a ponto de muitos católicos
trocarem a Fé autêntica por falsas doutrinas? Seria exagerado dizer que existem
sacerdotes ameaçados pela sombra do
personagem de Miguel de Unamuno, São
Manuel Bueno, Mártir, em seu romance homônimo? Por que o crente corre o
risco cada vez maior de cair no ateísmo prático?
- Dom Henrique:
São muitas perguntas numa só. Vejamos: (1) É verdade que de um modo quase que
antinatural, o homem contemporâneo esteja atrofiando sua capacidade natural de
crer. Somos essencialmente abertos para
o Infinito, somos saudosos do Transcendente, do Amor eterno. Mas, o excesso
de barulho, a invasão do consumo pelo consumo, o excesso de opiniões, de
palavras, a ilusão de que nos bastamos e podemos ter a vida em mãos como bem
entendemos – tudo isso leva a um embotamento da comunhão com Deus. Vamos nos
deseducando para a comunhão com o Senhor. (2) É compreensível que os filhos da
Igreja sejam afetados por esse mau espírito do tempo atual, afinal estamos no
mundo. A pressão dos formadores de
opinião e dos meios de comunicação e a superficialidade na vivência da fé vão
destruindo em muitos cristãos a reta percepção da vida segundo o coração do
Senhor. Assim, fica fácil cair num subjetivismo, numa religião cômoda,
feita sob medida para as minhas paixões. Aqui entram as falsas doutrinas e
percepções da fé, que às vezes ameaçam a ortodoxia do ser e do crer da Igreja.
(3) O romance de Unamuno fala de um padre que era cumpridor de seus deveres por
amor às pessoas, mas já não cria mais em nada verdadeiramente. Sim, este perigo
é muito possível entre os padres de hoje, quando há também na Igreja um
exacerbado antropocentrismo. Parece que
o centro do cristianismo é o homem. Ao invés, o centro é Deus nosso Senhor!
Só o Senhor é Deus, só por Ele vale a pena entregar a vida! (4) Quanto ao
ateísmo prático, ele é um perigo quando se perde de vista que Deus está
próximo, que Deus age no mundo, que Deus realmente nos fala na Escritura, nos
dirige a palavra na pregação da Igreja e nos dá Sua graça nos sacramentos. Sem
isso, sem elevar realmente a sério a Igreja, Deus não passa de uma ideia e,
então, vive-se a vida fingindo crer, mas na verdade já não se crê!
- Dom Henrique:
Certamente, as seitas são um perigo para a reta fé. Parecem oferecer uma fé
profunda e acessível, simples e autêntica, quando na verdade oferecem apenas um
cristianismo deturpado, mutilado, parcial. Mas,
o maior e mais triste perigo são aqueles que dentro da Igreja – e incluo
membros do clero e professores de teologia nos institutos católicos – criticam
com injustiça e ódio destrutivo a santa Igreja. Esses são, sem dúvidas, os instrumentos preferidos de Satanás!
Esses estão conosco somente de modo aparente. Não são dos nossos e nunca
conquistarão o coração e a consciência de um verdadeiro católico. O senso da fé
do Povo de Deus na hora percebe esses lobos disfarçados de cordeiros. Mas, as
portas do inferno não prevalecerão contra a Esposa de Cristo! Quanto à palavra
“heresia”, ela é o oposto à ortodoxia, que significa não somente reta opinião,
mas, sobretudo, reto louvor. Sendo assim, na raiz da heresia está a soberba humana
– principalmente dos maus teólogos – em não se colocar numa atitude de escuta e
adoração para poderem falar do Mistério. Esses, arrogantemente, julgam-se donos
da verdade que pertence só a Cristo e é confiada à Sua Igreja. Tornam-se,
então, pobres e ridículos tagarelas. E para iludir os desavisados, recorrem à
ideia de liberdade de pesquisa e de expressão. São conceitos válidos para a
democracia civil, não do mesmo modo para a pesquisa e o ensino da teologia. A liberdade de um teólogo verdadeiramente católico
dá-se no interior da fé católica; não como se ele fosse juiz da Igreja e acima
da Igreja... Desses há muitos hoje, infelizmente!
- Dominus: Na
Carta Apostólica Porta Fidei, o Papa
Bento XVI disse que o Ano da Fé será uma ocasião propícia também para
intensificar a celebração da fé na liturgia, particularmente na Eucaristia, que
é “a meta para a qual se encaminha a
ação da Igreja e a fonte de onde promana toda a sua força”, como afirmou o
documento conciliar Sacrosanctum Concilium. Como, de forma concreta, se
demonstra a perda de fé na Eucaristia, e o que se pode fazer para resgatar a
sacralidade litúrgica?
- Dom Henrique:
Primeiramente, pensemos na Eucaristia como meta e fonte da ação da Igreja. A
própria Escritura afirma que somos batizados num só Espírito para formarmos um
só corpo. O Batismo tem como destino a Eucaristia; a união começada com Cristo
por força da ação do Seu Espírito no Batismo chega ao seu pleno desenvolvimento
neste mundo na Eucaristia. Assim, tudo na Igreja encaminha para a participação
no Corpo do Senhor. Com Ele e através Dele oferecemos ao Pai num só Espírito o
sacrifício perfeito e santo, maior expressão da dignidade humana. Mas,
exatamente daqui, da Eucaristia, parte a ação da Igreja: participando da Eucaristia, podemos dizer: “Eu vi, eu ouvi, eu toquei o
Ressuscitado; eu comunguei com Ele, Ele está vivo, está presente entre nós!”
Ora, aqui está o conteúdo da evangelização: anunciar Jesus morto e ressuscitado
para a vida do mundo. Evangelizar é testemunhar a presença amorosa e redentora
de Alguém, de Jesus. É na Celebração eucarística, no Sacrifício da Missa que,
como Igreja, comunidade dos discípulos de Cristo, experimentamos Jesus e nos
tornamos sempre de novo testemunhas de Jesus. Não somos propagandistas de uma
ideia; somos testemunhas de uma Pessoa, Jesus, e de um fato, um evento, Sua
morte e ressurreição. Quanto à
sacralidade da Liturgia, ela se encontra em crise porque primeiramente o
conceito do que é o cristianismo e o que é a Igreja se encontram em crise.
Pensa-se que a Igreja existe para difundir e defender os valores do Reino. E
por valores do Reino se tomam muitos dos valores ideológicos da esquerda. Ora,
não é para isto que a Igreja existe! A Igreja existe para anunciar Jesus, para
ser o espaço no qual Jesus fala Sua palavra, age pelos sacramentos e forma
sempre de novo Seus discípulos como a Sua comunidade, que, vivendo Sua vida
nova (vida de ressurreição), torna-se espaço no qual Deus, o Pai, reina de
verdade. Assim, a Igreja é germe e sinal do Reino do Pai de Nosso Senhor Jesus
Cristo, a Igreja é início do céu, quando o Reino se manifestará plenamente. Na liturgia é Cristo Quem age, é Cristo
Quem doa sempre e novamente o Seu Espírito, que é a própria vida eterna, vida
divina. Na Liturgia, portanto, a salvação acontece sempre no aqui e no
agora da vida humana. A Liturgia é primeiramente ação de Cristo, que num só
Espírito, une a Si a Sua Igreja no sacrifício de louvor ao Pai. Quando se tem
essa consciência, compreende-se que a Liturgia é um fazer sagrado, isto é, pertence
diretamente ao mundo de Deus e exprime o Seu inefável mistério. Sem esta percepção, a Liturgia torna-se a
festa da “comunidade celebrante” que celebra suas ideias, suas lutas e suas
conquistas. Cristo sai do centro, Deus, o Pai, desaparece e a dimensão
sagrada perde totalmente sua razão de ser. Agora aqui há um elemento a ser
levado em conta: a sacralidade da
Liturgia não depende do aparato exterior que lhe damos, mas da consciência
profunda de se estar no âmbito de Deus. A sacralidade vem de Deus, não de ritos
ou alfaias! Os ritos e alfaias podem e devem exprimir a sacralidade, mas não a
geram nem a garantem. Rito por rito, alfaia por alfaia nos levariam a um
desfile de fixação estética de sentido mais que duvidoso! É preciso estar
atentos para o sentido teológico da Liturgia, para uma espiritualidade
litúrgica centrada em Cristo, de consciência de ser Igreja Corpo do Senhor e de
profundo compromisso com o Evangelho na própria vida e na vida do mundo, com
tudo o que isto possa significar e implicar!
- Dominus:
Relembrando a encíclica do Beato Papa João Paulo II, Fides et Ratio, “a Igreja
nunca teve medo de mostrar que não é possível haver qualquer conflito entre fé
e ciência autêntica, porque ambas, embora por caminhos diferentes, tendem para
a verdade”. Na opinião do senhor, quando a Igreja vencerá a batalha de
convencer o mundo de que essa afirmação é verdadeira? Trata-se, por ventura, de
uma ótica diversa, filosoficamente, do que seja, de fato, a verdade?
- Dom Henrique:
Quando a Igreja vencerá a batalha? Neste mundo, nunca! O conflito entre fé e
razão, religião e ciência dá-se como fruto de preconceito, seja de um lado seja
do outro. E os preconceitos muitas vezes são nascidos do medo de quem pensa e
vive de modo diferente do nosso. Além do mais, há um tipo de preconceito contra
a fé pelo simples medo de ter que se converter e mudar de vida. O importante é
que se procure cada vez mais criar um clima de tolerância e diálogo, sem a
pretensão de querer dobrar o outro ao modo de ver e pensar. No passado, os
crentes foram bastante intolerantes; hoje são alguns cientistas que manifestam
uma intolerância quase fanática. Infelizmente, esses são os que aparecem mais
na mídia. Quanto ao conceito de verdade, não é que cristianismo e ciência
tenham conceitos diferentes. Apenas o cristianismo aponta para uma profundidade
e amplidão da verdade que muitas vezes a ciência e determinadas correntes
filosóficas não alcançam e julgam ser impossível alcançar...
- Dominus: Às
vezes, se tem a impressão de que Roma está muito distante do Brasil, e não
falamos apenas em termos geográficos. Por que, com honradas exceções, é raro
ouvir ressoar com força a voz do Vigário de Cristo nesta Terra de Santa Cruz? A
Congregação para a Doutrina da Fé emitiu uma nota com indicações pastorais para melhor se viver o Ano da Fé. Como o
senhor sente a acolhida, no Brasil, desse documento do dicastério mais
importante da Cúria Romana?
- Dom Henrique: É
necessário recordar que estamos ainda num período pós-conciliar. Para a Igreja,
50 anos são nada. O Vaticano I enfatizou dogmaticamente o primado universal do
Papa e sua infalibilidade em sentenças de fé e moral. O Vaticano II retomou
integralmente a doutrina do Vaticano I e completou com a doutrina da
colegialidade episcopal: os Bispos são verdadeiros pastores de suas igrejas
diocesanas e como tais, têm também a responsabilidade pela Igreja universal. Temos, portanto, uma tensão sadia entre
primado e colegialidade. Quando se exagera num desses dois polos, temos um
problema. O equilíbrio nem sempre é fácil, principalmente nestes tempos ainda
pós-conciliares. Não diria que a voz da
Santa Sé esteja longe; mas, sem dúvida, às vezes uma ênfase muito forte nas
realidades locais podem enfraquecer a percepção dos apelos e orientações da Sé
Apostólica. Quanto ao Ano da Fé, penso que as dioceses estão procurando, de
acordo com suas realidades, colocar em práticas as sugestões da Santa Sé e
outras iniciativas, segundo a mente de Bento XVI.
- Dominus: Esta
entrevista se dá em meio às especulações da mídia com relação ao anúncio de renúncia feito pelo Santo Padre.
Como pastor da Igreja, o que o senhor tem a dizer ao rebanho que, levado pela
histeria midiática, pode não estar compreendendo a atitude de Bento XVI?
- Dom Henrique: A
atitude do Papa foi explicada por ele próprio: ouvindo o Senhor na voz de sua
própria consciência, achou por bem renunciar ao múnus petrino por se sentir sem
forças suficientes, devido à idade. Um estupendo exemplo de humildade. Havia no Domingo passado uma faixa na Praça
de São Pedro que resume bem a atitude do Papa: “A incrível liberdade de um
homem preso a Cristo!” É isto. E isto o mundo não pode compreender. Pena
que alguns católicos também não consigam. Mas, o Povo de Deus como um todo,
compreende e admira e ama ainda mais este Papa!
- Dominus: Sempre
inspirados nas recomendações do Santo padre, com relação à utilização da mídia
virtual para a evangelização – e o senhor realiza um trabalho pastoral muito
eficaz nesse campo –, gostaríamos que o senhor deixasse uma mensagem à equipe
do Blog Dominus Vobiscum e a todos os
seus leitores.
- Dom Henrique:
Vão adiante! A Internet deve ser lugar de evangelização. Tomem como critérios
(a) o desejo de anunciar Jesus Cristo
e fazê-Lo amado e seguido; (b) a
fidelidade inegociável à Igreja de Cristo, recordando que esta está onde
está Pedro, (c) o tom que deve orientar as matérias seja de caridade e alegria que provêm de
Cristo.
Filho de
Lourival Nunes da Costa e Maria Francisca Tereza Soares da Costa, nasceu em 11
de abril de 1963. Cursou os estudos primários na cidade de Junqueiro e também
em Maceió. Em 1981 ingressou no Seminário Arquidiocesano de Maceió e cursou
Filosofia na Universidade Federal de Alagoas. Em 1985 abraçou a vida monástica,
primeiro no Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro e depois no Mosteiro
Trapista de Nossa Senhora do Novo Mundo, no Paraná. Na vida monástica recebeu o
nome de Ir. Agostinho, tendo como padroeiro Santo Agostinho de Hipona. Por
motivo de saúde regressou a Maceió em 1989, antes mesmo de fazer os votos.
Em 1990
voltou ao Seminário e foi para Roma, concluir o curso de Teologia na Pontifícia
Universidade Gregoriana. Foi ordenado sacerdote na Arquidiocese de Maceió-AL em
15 de agosto de 1992, solenidade da Assunção da Virgem Santíssima.
Concluído o
bacharelado, fez dois anos de mestrado na mesma Gregoriana, na área de Teologia
Dogmática, particularmente eclesiologia.
De volta ao
Brasil, trabalhou como formador no Seminário, professor de Dogmática, de Teologia
em várias instituições de ensino. De 1994 a 2009 foi Reitor da Igreja de Nossa
Senhora do Livramento em Maceió, vigário Episcopal para os Leigos, membro do
Cabido dos Cônegos da Catedral da Arquidiocese de Maceió, participante do
Conselho Presbiteral e Coordenador da Comissão de Formação Política de Maceió.
No dia 1º de
abril de 2009 o Santo Padre Bento XVI nomeou-o Bispo Titular de Acúfida e
Auxiliar da Arquidiocese de Aracaju - SE. Foi sagrado bispo em 19 de junho de
2009 por Dom Antônio Muniz Fernandes, Arcebispo de Maceió.
Brasão Episcopal
b) Amarelo
Ouro: Fruto da entrega de Cristo é a salvação, isto é, a divinização de toda a
humanidade e de toda criatura, representada pelo dourado que preenche todo o
brasão como expressão da salvação universal de Cristo;
c) Flor de
Lis Azul: A flor recorda a Virgem Maria, do qual é devoto. A Virgem é modelo de
todo discípulo, Mãe dos pastores da Igreja e eficaz colaboradora na obra da
salvação operada pelo Senhor Jesus.
Seu lema é: In Christo Pascere! (Apascentar em
Cristo)
Do mistério
salvífico de Jesus, o Bispo é ministro, pois que outra coisa não pretende a não
ser instrumento da divinização conquistada por Cristo.
Pelos Seminaristas João Lamim e Renato Rosa
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