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quarta-feira, 5 de março de 2014

Quaresma, tempo de morrer para nós mesmos



Hoje celebrarmos com toda a Igreja a Quarta-Feira de Cinzas e com ela damos início ao tempo da Quaresma. Nosso Papa Emérito, Bento XVI, em 2012 nos recordou a magnitude presente neste período, que segundo suas palavras é um "itinerário de quarenta dias que nos levará ao Tríduo Pascal, memória da paixão, morte e ressurreição do Senhor, o coração do mistério da nossa salvação (Audiência geral de 22/fev/2012)."

O Papa recorda ainda que durante a Igreja primitiva este tempo era privilegiado pela catequese e por um intenso convite à conversão. Após percorrer um caminho de fé, os catecúmenos se preparavam para serem acolhidos na comunidade por meio do sacramento do Batismo e assim "tornarem-se cristãos e ser incorporados a Cristo e à sua Igreja."

Ainda hoje este é o tempo apropriado para vivermos de maneira mais concreta e intensa os ensinamentos de Cristo. Afim de obtermos êxito neste propósito, a Igreja nos convida à prática dos chamados exercícios quaresmais": a oração, a esmola e o jejum. Ao recebemos as cinzas sobre nossas cabeças, ouviremos o ministro proferir a seguinte afirmação: "convertei-vos e credes no Evangelho", recordando que a conversão e a mudança de vida são constantes em nossas vidas. Tanto quanto os erros que cometemos ao longo de nossas vidas, maior é a certeza de que Deus está sempre disposto a aceitar nosso perdão mediante nosso esforço de mudarmos de vida. E é por meio da oração que somos capazes de reconhecer nossos erros e lutar pela conversão; a oração passa a ser o caminho e o sustento na busca por uma vida nova.


Em sua mensagem para a Quaresma deste ano, Sua Santidade o Papa Francisco colocou como passagem para nossa reflexão um versículo da carta de São Paulo aos Corintios: "conheceis bem a bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Que, sendo rico, Se fez pobre por vós, para vos enriquecer com a sua pobreza" (2 Cor 8, 9). Com base na afirmação supracitada, o Santo Padre nos apresenta uma bela reflexão acerca da caridade, a verdadeira prática da esmola.

Papa Francisco afirma que a esmola dada daquilo que nos é supérfluo não passa de "piedade filantrópica"; a esmola é na realidade partilhar o que temos, é tornar-nos capazes de colocar tudo à disposição de nossos irmãos, da mesma forma como São Paulo exortou a comunidade de Corinto a ser generosa no auxílio à comunidade de Jerusalém, que enfrentava dificuldades. Esmola e jejum se fundem não sendo meros preceitos, mas antes um exercício de sermos capazes de nos colocar na situação daqueles que sofrem. Oferecemos o jejum na Quaresma como uma abstinência, como o abrir mão de algo de que gostamos para nos solidarizar com nossos irmãos menos favorecidos, e assim viver Cristo não só com palavras mas com nosso modo de agir.

Nesta mesma mensagem, Sua Santidade nos explica a diferença entre a miséria e a pobreza, afirmando que "miséria não coincide com a pobreza; a miséria é a pobreza sem confiança, sem solidariedade, sem esperança" e apresenta a existência então das misérias materiais, a ausência do mínimo possível para a sobrevivência, como alimentos, água, trabalhos e condições dignas de vida; a miséria moral, quando nos tornamos escravos do pecado e dos vícios, cada vez mais apelativos em nossa sociedade, e desta condição origina-se a miséria espiritual que nos distancia de Deus e de seu amor por nós.

Assim passa a ser predominante nos quarenta dias da Quaresma a capacidade de nos colocarmos mais próximos daqueles que ainda hoje se encontram à margem da sociedade e assumirmos o peso da Cruz que estas pessoas todos os dias carregam. Em uma de suas homilias, contidas no livro É Cristo que passa, São Josemaría Escrivá disse que "fazer as obras de Deus não é um bonito jogo de palavras, mas um convite a gastar-se por Amor. Temos de morrer para nós mesmos a fim de renascermos para uma vida nova. Porque assim obedeceu Jesus, até à morte de Cruz. Se obedecermos à vontade de Deus, a Cruz será também Ressurreição, exaltação. Cumprir-se-á em nós, passo a passo, a vida de Cristo".

Nessa busca pelo "morrer para nós mesmos", a Igreja do Brasil promove a Campanha da Fraternidade, que neste ano tem como tema Fraternidade e Tráfico Humano. Durante o tempo da Quaresma, somos convidados a olhar para tantos que sofrem com a violação da dignidade humana. Com o lema "É para a liberdade que Cristo nos libertou" lembramos que não devemos ser amarrados pelos inúmeros apelos da sociedade, que, por fim, nos conduzem a escravidão.

A Campanha também reflete sobre tantos que ainda hoje são tratados como meras mercadorias, sobre tantas pessoas que são vítimas dos brutais e diversos sistemas de exploração. Dentro dos objetivos está o de "identificar as causas e modalidades do tráfico humano e os rostos sofridos por esta exploração". Mais do que descobrir os que sofrem, é necessário descobrir as razões para isso; devemos abrir nossos olhos para as condições de vida que conduzem as pessoas até a esperançosa ilusão contida no tráfico humano. Quantos não buscam apenas melhorar suas vidas e o de seus entes queridos e nesta busca acabam por tornar-se escravos, seja por engajarem-se em empregos com baixos salários, sem a mínima preservação de seus direitos, ou mesmo por meio da exploração sexual que terminam por sofrer tanto crianças quanto adolescentes.


Portanto, ao longo de toda a Quaresma, o Santo Padre deseja, como enfatizou em sua mensagem quaresmal, "encontrar a Igreja inteira pronta e solícita para testemunhar, a quantos vivem na miséria material, moral e espiritual, a mensagem evangélica, que se resume no anúncio do amor do Pai misericordioso, pronto a abraçar em Cristo toda a pessoa. E poderemos fazê-lo na medida em que estivermos configurados com
Cristo, que Se fez pobre e nos enriqueceu com a sua pobreza. A Quaresma é um tempo propício para o despojamento; e far-nos-á bem questionar-nos acerca do que nós podemos nos privar a fim de ajudar e enriquecer a outros com a nossa pobreza". Mas, que além disso, a Quaresma seja o início de uma nova forma de vida, onde nos tornamos capazes de ver naqueles que mais sofrem a face de Cristo, e assim sermos capazes de morrer para nós mesmos, para vivermos mais próximos d'Ele.


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