Neste I Domingo da Quaresma nós,
católicos romanos, iniciamos nossa caminhada penitencial-quaresmal com a
reflexão das tentações de Jesus no deserto (Lc 4,1-13). Mas o que foram essas
tentações? O que elas significam para nós hoje? Como vencê-las e o que buscar
verdadeiramente? Este artigo que escrevo, tirei das ideias bases do II capítulo
do livro do Santo Padre Bento XVI Jesus de Nazaré. Junto com as ideias centrais
do Papa (não por pretensão) apresento algumas conclusões minhas, feitas a
partir da leitura atenta e minuciosa.
Jesus, no seu batismo, tem todo
o mistério da sua vida revelado. Ao entrar na fila do batismo dos pecadores, se
faz um de nós, não sendo pecador, mas tomando sobre si nossas misérias. Cumpriu
tudo isto, mais tarde, plenamente na cruz. O Pai revela seu Filho amado,
cumprindo a plenitude do amor na ressurreição, e o Espírito Santo (Lc 4,1a)
desce em forma de pombo. Perceba, “como uma pomba”, ou seja, é semelhante,
parecido com uma pomba, porque a figura do Espírito de Deus é misteriosa em sua
essência; pelas coisas materiais pode se assemelhar, mas nunca ser de fato.
Mas o que está no centro aqui é
outra coisa, não o batismo. Mas pelo seu batismo simbólico, o Espírito lhe da
uma inspiração primeira; e qual é? Ir para o deserto para ser tentado (Lc
4,1b). Mas o Filho do homem, Salvador do gênero humano, ser tentado?
Exatamente. Feito homem Ele quer sentir na sua carne o drama humano, as
tentações dos homens e mulheres deste mundo. Quer ser tentado, encontrar-se com
a ovelha desgarrada e ferida, para então tomá-la nos ombros e reconduzi-la para
sua casa como Bom e Doce Pastor zeloso. Só sendo Deus para tamanha atitude!
Enfim, no deserto os demônios o
tentam (Lc 4,2) e anjos o servem (Mt 4,11b). É a dialética humana! Nossa vida
mortal e factível acontece nesse paradoxo: anjos e demônios! Anjos nos ajudam;
demônios nos oferecem algo mais vislumbrante aos olhos. Anjos nos apresentam a
vontade de Deus; demônios nos dão os prazeres do mundo. Anjos ajudam o Reino a
acontecer em nós; demônios em legião o derrubam. A vida do homem na terra é
assim; a vida espiritual do cristão é uma eterna luta, uma guerra, travada
continuamente.
Jesus ficou 40 dias no deserto
em jejum e profunda oração (Lc 4,2). Isso nos faz lembrar os 40 anos que o povo
de Israel passou no deserto em busca da Terra Prometida, de onde brotariam
leite e mel em abundância; dos 40 dias que Moisés se preparou para receber as
tábuas dos mandamentos e ensinar, conduzir seu povo na justiça; dos 40 dias que
Abraão preparou-se para o sacrifício derradeiro de seu filho. Parece-nos que
Jesus em seus 40 dias percorre toda a história do povo eleito, da humanidade e
também a toma sobre os ombros; suporta-a, assume-a, redime-a.
Passamos então às tentações. A
primeira consiste em transformar as pedras em pães (Lc 4,3). Era uma dupla
tentação. Primeiro porque Ele tinha fome (Lc 4,2b), e se tivesse pão ao seu
alcance a saciaria; depois porque se as transformasse, subjugaria seu poder
(que era sobrenatural) ao mal, ao demônio. Mas o intuito do Reino que Jesus
traz não são os milagres. Jesus não veio ao mundo para realizar milagres, mas
veio para encontrar pessoas, apresentá-las à proposta do Reino e revelar a face
paternal de Deus. Jesus não se curva à tentação de satanás, e di-lo que o pão,
o verdadeiro pão interessa aos retos de intenção. Milagre por milagre não leva
a nada. Mas depois Ele mesmo se faria pão para nós, se multiplicaria em todos
os altares do mundo. E este milagre até hoje acontece, e acontecerá até o fim
dos tempos. Jesus não quer pessoas atrás dos seus milagres, mas sim atrás do
seu verdadeiro alimento: “Fazer a vontade do Pai” (Lc 22,42).
Na segunda tentação o demônio
promete ao Senhor em retiro o domínio sobre toda a terra, sob uma imposição:
ajoelhar-se aos seus pés e o adorá-lo (Lc 4,6-7). Para que Cristo cederia a tal
tentação se conhecia a vontade de seu Abbá? Ele sabia que depois de
ressuscitado haveria de ter todo domínio, mas não apenas sobre a terra, e sim
sobre o céu e a terra. Era um domínio de poder sobrenatural; e perante Seu nome
teria dobrado todo joelho, na terra, no céu e no inferno.
Jesus é forte, espiritualmente
(porque era o próprio Deus) e fisicamente; isto pelo jejum e oração, armas
fortes contra a tentação, e expulsa o demônio da sua companhia! Porém esta
tentação retorna aos tempos atuais. O demônio pede não a adoração a si
diretamente, mas através da proposta pela escolha do que é mais racional para
os homens, mais organizado, planificado. É o relativismo moderno. Propõe o mais
“justo, igual” para todos, onde reine o bem-estar presente das pessoas e a
desvalorização com a real essência do homem. Assim, nós decidimos o que deve
fazer um “redentor”. É realmente triste constatarmos o crescimento disto hoje!
Na ultima tentação satanás, de
modo engenhoso, toma um versículo da Escritura e o distorce bruscamente. Tira o
sentido original, inspirado por Deus, e a interpreta do seu jeito. Esta é uma
tentação mais que atual: como é cômodo e fácil interpretarmos a Bíblia do nosso
jeito, para satisfazer nossos desejos e vontades. Ainda mais. Como é mais satisfatório
tirarmos Deus do seu lugar de excelência em nossa vida e o adaptarmos de acordo
com as próprias necessidades, subjugando-O à nossa vontade. Em certo ponto
Feuerbach tinha razão, quando dizia ser Deus a projeção do próprio homem. Mas
razão o tem em relação à situação atual dos ateus que nem razões sabem e têm
para os serem. Mas para quem realmente crê a situação é outra. E Feuerbach
passa longe de deter a verdade que realmente é verdade!
Enfim, Jesus não se jogou do
pináculo do templo (Lc 4,9), pois este era um pedido com segundas intenções do
demônio. Mas na cruz não. No madeiro santo Ele abraçou livremente a vontade do
Pai e se jogou no maior pináculo da existência, a morte. E o Pai, como
profetizara confusamente o demônio na tentação do deserto, O tomou pelas mãos e
o ressuscitou, encheu sua humanidade do Espírito Santo e, até hoje, o faz
reinar vivo, glorioso no céu à sua destra.
Vencendo as tentações no
deserto, Cristo nos apresenta o verdadeiro bem do homem: o rosto misericordioso
de Deus. Que nesta Quaresma que iniciamos possamos seguir os passos de Cristo,
vencer o mal atual e presente, para esperançosos reinar com Ele no último dia.
16 de fevereiro de 2013.
Vésperas do I Domingo da
Quaresma.
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