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terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Bento, homem de Relação

Quando da eleição de Bento XVI, em abril de 2005, a revista Veja ostentou na sua capa a seguinte manchete: “A Igreja congelada”, seguida de uma grande foto do novo Pontífice dentro de um cubo de gelo. 


Assim começava o papado de Ratzinger: com a imagem de um homem severo, intransigente, músico autista e alemão turrão. O povo brasileiro, mas também os demais, assumiram essa visão do Doce Cristo na terra. Demorou e muito para que o novo Papa roubasse um sorriso e um olhar de apreço dos mais desconfiados. 

Bento XVI carregava sobre si o peso de suceder o grande e carismático Beato João Paulo II. O papa polonês foi artista, era poeta e durante anos foi Bispo Diocesano. Sua imagem foi feita para as massas. Já Ratzinger era frágil, naturalmente mais introspectivo – que justifique sua natureza alemã – e ainda foi, desde o começo de sua vida, um apaixonado pelos livros. Bento fazia e faz o tipo “rato de biblioteca”, “de escritório” e “de sacristia”, acostumado a lidar com escaninhos cheios e com papeis amontoados. 

Da noite pro dia ele se torna o líder de todos católicos e passa a ser vigiado pelo mundo inteiro. Custaria um pouco para dar-se conta da missão e do papel que desempenharia diante de toda a sociedade, seja ela católica ou não. 

Joseph Ratzinger deveria ser papa e o papa deve ser um homem de relação. Relação com Deus, com seu povo, com os ministros ordenados, com a Cúria Romana, com os cristãos e não-cristãos, com as autoridades de diversos países. 


Bento nunca foi diplomata, como foi o Papa Pio XII, mas, não deixou a desejar no que tangia as relações com as diversas nações e com autoridades distintas. Em 13 de novembro de 2009, através da Nunciatura Apostólica no Brasil, o Santo Padre assinou com o então Presidente da República, Sr. Luiz Inácio Lula da Silva um acordo entre Brasil e Santa Sé, no qual norteava e regulamentava as relações diplomáticas e institucionais. 

Na sede da ONU, em 18 de abril de 2008, ele foi o terceiro Papa a discursar. Defendeu o direito à vida, a família, os direitos humanos e a Igreja. Os diplomatas pararam para ouvir um senhor octogenário, monarca do menor país do mundo.

A presença do sucessor de Pedro é naturalmente impactante. Bento soube aproveitar a repercussão de suas palavras também para promover a paz entre as nações, como vimos em tantas locuções após a recitação mariana do Angelus ou em suas catequeses semanais.

Bento relacionou-se de maneira singular com o mundo, mas, também com as demais igrejas e comunidades eclesiais. Tão logo assumiu sua cátedra, o primeiro Papa alemão após o holocausto, fez questão de visitar a sinagoga de Roma. Tempos depois, ainda atravessou, solitário, o portão do campo de concentração de Auschwitz, na mesma atitude de silenciosa oração que repetiria também diante do muro das lamentações, em Jerusalém. Para Ratzinger os judeus “são nossos irmãos mais velhos na fé”. Ele empenhou esforços grandiosos para dar envergadura ao diálogo judaico-cristão.







Foi ele também o primeiro papa e ingressar na Abadia de Westminster, em 17 de dezembro de 2010, que desde a rompimento de Henrique VIII em 1534 passou a ser propriedade da Igreja da Inglaterra, os anglicanos. Lá o Papa discursou, durante um ato ecumênico, sobre a Trindade, a fé que nos une. Além disso, o primeiro papa alemão desde a Reforma, falou de forma cortês sobre Martim Lutero, em uma celebração ecumênica no ex-convento agostiniano onde o monge reformador celebrou sua primeira missa, sendo ouvido atentamente por seus conterrâneos, tanto católicos como luteranos.


Ratzinger foi corajoso também para ir à Turquia, mesmo envolto na polêmica com os mulçumanos. Sua viagem chegou a ser considerada de “alto risco”, mas, as relações são feitas e provadas a ferro e fogo. Em sua primeira viagem oficial a um país de maioria islâmica, o Papa tirou os sapatos para entrar na Mesquita Azul, onde rezou com os muçulmanos, virado para Meca. Também lá, em Istambul, estavam os apóstolos Pedro e André, em seus sucessores Bento XVI e Bartolomeu I, reunidos na fé e no amor. 




Bento XVI foi verdadeiramente um homem de relação. Soube relacionar-se com diplomacia, com brio e santidade. Relacionar-se com os mais fortes e com os mais fracos, com os mais ricos e com os mais pobres, com os crentes e com não crentes. Seu legado nos mostra da importância de darmos respostas seguras e um testemunho fiel de nossa fé e de nossa vida, conformada a Cruz de Cristo.

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