Hoje pela manhã o Cardeal norte-americano Raymund Leo Burke foi retirado da condução do Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica e conduzido ao cargo de Patrono da Soberana Ordem Militar e Hospitalar de São João de Jerusalém de Rodes e de Malta.
I. Origem
Burke nasceu em 30 de junho de 1948, em Richland Center no estado norte-americano de Wisconsin. Estudou Filosofia no The Catholic University of America e Teologia na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, onde também cursou seu doutoramento em Direito Canônico.
Um dia antes do seu aniversário de 27 anos foi ordenado sacerdote, em 29 de junho de 1975, para o clero da Diocese de La Crosse, cujo Bispo era então Dom Frederick William Freking (1913-1998).
Como padre exerceu seu ministério sacerdotal em diversas paróquias da diocese, foi também professor do Seminário e Vigário Judicial.
Em 1994 São João Paulo II o nomeou Bispo Diocesano de sua própria diocese, La Crosse. Burke foi sagrado em 06 de janeiro de 1995, Festa da Epifania do Senhor e tomou passou canônica na festa da Cátedra de São Pedro, em 22 de fevereiro. Na sua diocese de origem permaneceu até dezembro de 2003, quando foi nomeado Arcebispo Metropolitano de St. Louis. Nesta Sé Metropolitana permaneceu até 26 de junho de 2008, quando Bento XVI o chamou a Roma.
II. A Cúria de Bento XVI
Levado a Roma para conduzir a Assinatura Apostólica, que cuida - dentre outras coisas - de alguns processos de nulidade matrimonial, das relações dos tribunais eclesiásticos e da Rota Romana, Burke se destacou como um excelente canonista.
A Assinatura (ou Assignatura) Apóstolica é o mais alto tribunal eclesiástico da Igreja. Criado no século XV o dicastério já foi conduzido por 37 eclesisáticos diferentes, sendo o primeiro o Cardeal Mafeo Barbereini, mais tarde eleito Papa com o nome de Urbano VIII.
Foi na condução deste Tribunal que Burke foi criado Cardeal-Diácono por Bento XVI, recebendo a Diaconia de Santa Àgata dos Góticos, no consistório público de 20 de novembro de 2011.
Durante seu pontificado o hoje Papa-Emérito falou diversas vezes da chamada hermenêutica da continuidade ou reforma-da-reforma. O Cardeal Burke sempre se mostrou muito afinado com esta ideia, sendo chamado - diversas vezes, inclusive - para celebrar pontificais na forma extraordinária do Rito Romano.
III. O fascínio pelo Rito Antigo
Em 2012, em entrevista ao Instituto Cristo Rei Sacerdote, Burke confessou que sua relação com o Rito de São Pio V se deu de maneira mais efetiva quando ele era Bispo de sua diocese natal de La Crosse. Logo que assumiu os trabalhos pastorais naquela porção do Povo de Deus, em 1995, um grupo de fiéis o procurou pedindo que concedesse um indulto para celebração da Santa Missa na forma chamada Tridentina.
Aqui vale lembra que, somente em 2008, com o Summorum Pontificum de Bento XVI a missa na forma "antiga" passou a ser universal, ou seja, para qualquer sacerdote que a desejasse celebrar. Antes disso, porém, a celebração se dava por uma especial permissão de cada bispo local.
Foi diante da necessidade pastoral dos fiéis de La Crosse - e depois de St. Louis - que o Bispo Burke convidou os cônegos do Instituto Cristo Rei Sacerdote para se juntar as respectivas dioceses e celebrar a missa e os demais sacramentos na forma anterior ao Concílio Vaticano II.
Na mesma entrevista o Cardeal confessa que houve muita rejeição, sobretudo, por parte do clero diocesano. Porém, a sua argumentação sempre se baseou no princípio da necessidade pastoral e do bem que a forma antiga do rito romano - hoje chamada forma extraordinária - fez a Igreja e mesmo a obra das vocações, inclusive a sua.
O Cardeal Burke é inegavelmente um tradicionalista, porém, sempre deixou claro que jamais negou a grandiosidade do Concílio Vaticano II e a validade da Santa Missa a partir do Missal do Beato Paulo VI. Segundo o purpurado, na mesma entrevista, "os abusos que tiveram lugar depois do CVII, mas, que não foram ordenados pelo Concílio, aconteceram e nós precisamos restaurar certos pontos" entre os quais a beleza e dignidade da liturgia, além da centralidade do mistério ali celebrado.
Burke é um conhecido defensor da forma extraordinária do rito romano, do senso litúrgico e da beleza no sagrado. Foi, por diversas vezes, criticado e rechaçado pela sua íntima relação com a tradição. Muitos dos "tradicionalistazinhos" brasileiros não conseguiram ir além de seus belos paramentos e de sua capa magna.
A estética dos paramentos, a simetria do polifônico e do gregoriano, o apelo a beleza e a tradição era um meio pedagógico que Burke encontrou de dar catequese. Porém, lamentamos que muitos tenham permanecido na periferia da discussão e não tenham conseguido aprofundar o discurso além das rendas e dos brocados, das sete velas e da capa magna.
Apesar da sua positiva relação com o Rito Antigo o Cardeal Burke ficou taxado de um conservador tradicionalista (RadTrad) preocupado apenas com as aparências, com os panos e os fru-fru da liturgia. Pouco se ouviu o que ele disse!
IV. O Sínodo
No recente Sínodo sobre família, que ainda está em "andamento" podemos dizer, o Cardeal Raymond Burke se destacou como o nome mais conservador e o principal crítico da ala progressistas, sobretudo, quando publicamente se pronunciou contra, o que ele mesmo chamou, de Teorema Kasper.
O Cardeal norte-americano pediu, inclusive, que o Cardeal alemão Walter Kasper, conhecido como progressista e as vezes chamado de "o novo Martini" retirasse das discussões do Sínodo e de tantos outros os meios a possibilidade de conceder a Sagrada Eucaristia a casais de segunda união. Segundo Burke essa concessão seria equivalente a negar as palavras sobre a união de um casal. presente no evangelho de São Mateus.
Burke disse ainda que as posições de Kasper, tidas como oficiais na mídia, estavam causando muita confusão entre os fiéis católicos e criando esperanças que não poderiam ser supridas sobre o que tange essa situação.
Sabemos que - ao menos nos meios midiáticos - se travou uma verdadeira guerra entre Burke X Kasper, conservadores X progressistas. Certamente todo esse alarde, aliado a imprudência do Cardeal norte-americano de se expor aos meios de comunicação, sobretudo, a uma série de redes de televisão americanas interessadas em seu posicionamento apressaram a sua remoção do Tribunal.
V. A Soberana Ordem de Malta
Com a elevação do Arcebispo Dominique Mamberti ao Tribunal da Assinatura Apostólica e a transferência de Burke para a ordem de Malta acontece algo que realmente era o oposto do contrário feito até então.
Raymund é um jovem cardeal de 66, em pleno uso das faculdades mentais e de suas forças físicas w está sendo removido de um importante cargo da Cúria Romana para exercer uma função honorífica e simplesmente simbólica, junto a esta antiga Ordem, que congrega homens e mulheres em todo mundo, através de obras humanitárias.
Alguns, mais críticos, acreditam que isso seja uma punição pelos seus posicionamentos contrários a um certo grupo dominante na atual Cúria Romana. Outros acreditam que se trata apenas de uma renovação nos ares dos gabinetes papais e outros ainda acreditam que Burke não deveria ter ido pra Malta, mas, sim pra Marte.
Fato é que o Cardeal Burke permanece residindo junto da Santa Sé, em Roma, onde está a sede da Ordem e continua sendo um expoente do conservadorismo em nosso tempo.
Tudo está consumado, não adianta chorar o leite derramado: O que está feito, está feito:
consumatum est!