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sábado, 22 de fevereiro de 2014

Bento, homem da Teologia

Por Ian Farias*
Vocacionado da Diocese de Jequié-BA.




Apraz-me dirigir-me aos leitores deste blog, desde já agradecendo ao irmão Eraldo Leão, Seminarista da Arquidiocese do Rio de Janeiro, pelo convite a mim feito para que aqui pudesse detalhar um pouco sobre a Teologia do Papa Bento XVI, que contém um arcabouço de sabedoria e de riqueza teológica e filosófica. 

Tive a alegria de começar a leitura das obras de Ratzinger ainda antes de ser eleito Papa, quando eu contava com 12 anos de idade, hoje, aos 20, procuro ainda – sem reservas – conhecer mais e procurar aprofundar-me nestes seus ensinamentos que não somente sintetizam a teologia como um encontro com o divino, como também saber expô-la ao confronto com as várias correntes de pensamento hodiernas. Retratar a teologia ratzingeriana é fazer uma passagem da realidade divina para a humana e vice-versa, de forma lúcida e clara, evidenciando os aspectos essencialmente concernentes a esta visão salutar de ver Deus, a Igreja, e a realidade escatológica e mesmo atual, sobretudo aquela que perpassa o âmbito do homem pós-moderno. Mas esta caracteriza-se sobretudo pelo diálogo entre a fé e a razão, de modo mais claro a ser dito: o Jesus histórico e o Cristo da fé, de forma que os dois se tornem uma só coisa e não sejam postos como inimigos, correndo-se o risco de causar até mesmo uma divisão quanto a Pessoa de Jesus.

Seria verdadeiramente impossível tratarmos aqui de toda a teologia de Ratzinger, mas procurarei pincelar alguns aspectos no qual ele procurou desenvolver seus laborioso e profícuo trabalho de propor a teologia como uma redescoberta das originalidades da fé e da coerência sempre constante para com os ensinamentos doutrinais.

A concepção ratzingeriana de teologia vai muito além de restritos parâmetros dogmáticos fundamentalistas, isto é, crer cegamente sem conhecer as razões que o moveram a tal. O então Cardeal Ratzinger já dissera uma vez: “Os dogmas são janelas que se abrem para o infinito”, portanto é inaceitável que esta liberdade seja deformada em prisão. Esta constitui uma entrada no mistério salvífico do amor de Cristo; é conhecer a Deus não apenas pelo intelecto, mas sobretudo pela contemplação sensível e verdadeira da fé e do amor. Isto o evidenciou em uma das suas magníficas obras Natureza e Missão da Teologia, onde retrata a sensibilidade teológica para a contemplação da verdade por meio de uma redescoberta do rosto de Cristo, que é o plano de fundo para a caracterização da verdadeira natureza teológica. 

Cooperatores Veritatis é o lema que o então Padre Joseph Ratzinger escolheu para nortear seu ministério episcopal e sua vida. Como, aliás, não só a orientou mas fez-se, ele próprio, uma seta que aponta o caminho daqueles que perscrutam este mistério que não é cognoscível ao homem somente pela luz da ratio ou do intelectus, como afirmara Agostinho.

É também impossível traçarmos uma linha divisória entre a teologia de Ratzinger e a teologia de Bento XVI. Como ele mesmo diversas vezes já dissera que o papado não o impedia de apresentar suas visões enquanto teólogo e que fazia questão de evidenciar a diferença entre o teólogo e o Papa, e isto já podemos notar em sua estupenda trilogia Jesus de Nazaré, quando opinou como teólogo a respeito dos estudos exegéticos da vida de Jesus e da sua ação na terra como Filho de Deus, mas igualmente nos descreveu de forma inigualável o cenário político e religioso da época primitiva do Cristianismo discordando de visões de determinados teólogos.

Ratzinger pautou a sua vida e a sua teologia em quatro bases constitutivas também do ser humano e do ser cristão: Fé, razão, verdade e amor. Deveras, sempre é característica sua – como pensador agostiniano – que seus escritos sejam marcados por estes aspectos epistemológicos. Impossível é que não tratemos de um destes quatro pontos em todos os seus escritos, ou ainda mais ousaria dizer: que não tratemos destes quatro pontos em quaisquer de seus escritos. Sempre encontraremos traços destes entrelaçados e impossíveis de serem postos à parte. Aliás, como o fora sempre, é de pensamento alinhado ao de Agostinho, tanto que em 1953 doutorou-se com a tese: “Povo e Casa de Deus na doutrina da Igreja de Santo Agostinho”.

No mistério desta visão teológica da cristologia de Ratzinger emerge à luz trinitária, a importância da integração entre a “constituição ontológica da Pessoa” de Jesus Cristo e aquela da sua “relação”, integração esta que define e caracteriza a singularidade e soberania do seu agir salvífico nas suas expressões de reinado e serviço. Além do mais, estabelece uma relação não tanto individual, mas de relacionamentos. Isso costumo definir como “teologia do encontro”: não ser redutivo e fechado, restrito a suas ideologias ou mentalidades estruturadas independente da dignidade humana, mas vai além disso: fala ao coração, ao homem em seu todo, à comunidade. Em uma de suas homilias, na Celebração de Te Deum pelo encerramento do ano de 2012, retratou de forma veemente a construção individualista dos moldes do atual cenário: "Numa cultura cada vez mais individualista, tal como aquela em estamos inseridos nas sociedades ocidentais, e que tende a espalhar-se por todo o mundo, a Eucaristia constituiu uma espécie de antídoto que atua nas mentes e nos corações dos crentes, semeando continuamente neles a lógica da comunhão, do serviço, da partilha, em suma, a lógica do Evangelho”.

Somos convidados a não aderirmos, como cristãos, à cultura individualista e que massacra os demais pela soberba intelectual ou pelas diferenças sociais. Bento XVI nos ensina muito, inclusive ensina-nos a como usarmos da teologia (o estudo de Deus) a serviço do homem, da sua dignidade e para sua edificação, e não colocarmos o homem a serviço da teologia. Se a razão não desenvolve-se como edificadora de valores humanos e promotora do bem comum, logo tornar-se-á sempre mais inimiga da fé e do próprio Deus, fechando-se, por conseguinte, ao seu conhecimento.

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* Ian Farias é vocacionado da Diocese de Jequié-BA, aluno do Curso de Licenciatura em Filosofia pela Faculdade dos Claretianos de Vitória da Conquista-BA, membro da Coordenação da Pascom Diocesana de Jequié e Administrador do Blog Ecclesia Una.

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